Calvinismo e João Seis: Uma Resposta Exegética, Parte 1
Steve Witzki
Os calvinistas acreditam que um de seus mais fortes argumentos para a eleição incondicional, graça irresistível, e segurança incondicional é encontrado no Evangelho de João capítulo seis. Lendo interpretações calvinistas sobre esta passagem encontrei duas que são idênticas na natureza, mas diferentes na ênfase. Thomas R. Schreiner e Bruce A. Ware estão interessados em enfatizar a eleição incondicional e a graça irresistível em Still Sovereign. Schreiner e Ardel B. Caneday querem enfatizar a preservação divina ou segurança incondicional em The Race Set Before Us. Cada um fornece uma clara, concisa, e estimulante interpretação para estas doutrinas. Visto que ambos compartilham do mesmo entendimento de Jo 6.35-44, responderei primeiro a Schreiner e Ware e então a Schreiner e Caneday.
Nosso entendimento da graça salvadora de Deus é muito diferente [em comparação com o entendimento arminiano]. Afirmamos que a Escritura não ensina que todas as pessoas recebem graça em igual medida, ainda que tal noção democrática seja atrativa hoje. O que a Escritura ensina é que a graça salvadora de Deus é apontada somente para alguns, a saber, aqueles que, em seu grande amor, ele elegeu há muito tempo para salvar, e que esta graça é necessariamente efetiva em levá-los à fé.
Este último entendimento da graça é encontrado, por exemplo, por todo o capítulo 6 de João. Tome Jo 6.37, “Todo o que o Pai me dá virá a mim; e o que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora.” O “vir” de Jo 6.37 é sinônimo de “crer.” Que as palavras vir e crer são diferentes maneiras de descrever a mesma realidade é confirmado pelo que Jesus diz em Jo 6.35, “Eu sou o pão da vida; aquele que vem a mim, de modo algum terá fome, e quem crê em mim jamais terá sede.” Vir para Jesus é satisfazer sua fome e crer nele é saciar sua sede. É fácil ver deste verso que “vir” e “crer” são sinônimos, assim como as metáforas de satisfazer a fome e saciar a sede são maneiras paralelas de dizer que Jesus satisfaz nossa necessidade. Dois versos depois Jesus diz “todo o que o Pai me dá virá a mim.” Não faríamos, por essa razão, nenhuma violência ao significado deste verso se enunciássemos como segue: “Todo o que o Pai me dá crerá em mim.” Obviamente, nem todas as pessoas “vêm para” ou “crêem em” Jesus. O verso diz que isto será verdadeiro somente daqueles que o Pai tem dado a Jesus. Em outras palavras, somente alguns foram dados pelo Pai ao Filho, e eles virão, e nunca serão lançados fora, e eles serão ressuscitados no último dia (Jo 6.39-40).
Ou, considere Jo 6.44, “Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou não o trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia.” A primeira metade deste verso indica, como os arminianos de bom grado também reconhecem, que a graça de Deus (i.e, a atração do Pai) é necessária para a salvação pessoal. Mas a questão diante de nós é que espécie de graça ela é. É graça ilimitada ou comum, dada a todos? Ou é uma graça particular, um graça eficaz dada somente a alguns? A segunda metade do verso 44 responde nossa pergunta, pois lá descobrimos que aquele que é dado graça (que é atraído pelo Pai) é na verdade salvo (ressuscitado). A atração do Pai, então, não é geral, mas particular, pois ela cumpre a salvação final daqueles que são atraídos. A graça de Deus, sem a qual ninguém pode ser salvo, é, por essa razão, uma graça eficaz [irresistível], resultando na infalível salvação daqueles a quem é dada [Still Sovereign, pp. 14-15].
Confesso que, como arminiano clássico, ainda não li nenhuma refutação exegética convincente à interpretação calvinista. Todavia, foi este desapontamento que me levou a analisar mais detidamente a exegese calvinista. O que descobri é que esta passagem apreciada pelos calvinistas não apóia suas doutrinas da eleição incondicional, graça irresistível, nem segurança incondicional.
O primeiro e mais óbvio problema com a interpretação de Schreiner e Ware tem a ver com a quem o “todo o que” se refere. Eles identificam o “todo o que” nos versos 37 e 39 como “aqueles que, em seu grande amor, ele elegeu há muito tempo para salvar.” O “todo o que” faria referência, então, àquelas pessoas, “os eleitos,” que Deus Pai selecionou na eternidade para tornarem-se crentes no tempo. Isto é confirmado quando eles parafraseiam o verso 37a como, “Todo o que o Pai me dá crerá em mim.” Desse modo, este dar é “é necessariamente efetivo em levá-los [‘os eleitos’] à fé.”
Tal entendimento não pode ser justificado quando comparamos o “todo o que” encontrado no verso 39 com o verso 40. Por favor, observem as linhas paralelas na estrutura ABCCBA dos versos 39-40. “E a vontade do que me enviou é esta: Que eu não perca nenhum de todos aqueles que me deu, mas que eu o ressuscite no último dia. Porquanto esta é a vontade de meu Pai: Que todo aquele que vê o Filho e crê nele, tenha a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia.”
A - o ressuscite no último dia
B - que eu não perca nenhum de todos aqueles que me deu
C - a vontade do que me enviou é esta
C’ - porquanto esta é a vontade de meu Pai
B’ - que todo aquele que vê o Filho e crê nele, tenha a vida eterna
A’ - o ressuscitarei no último dia
Primeiro, devemos notar o conectivo “porquanto” no verso 40. Há uma lógica conexão entre a última sentença e a seguinte. Esta conexão lógica ficou auto-evidente na estrutura ABCCBA destes versos. O “todo o que” no verso 39 que o Pai “deu” a Jesus não é ninguém senão “todo aquele que vê o Filho e crê nele,” no verso 40. Ambos os versos afirmam que todos os crentes serão ressuscitados no último dia.
O calvinista F. F. Bruce esclarece nossas conclusões, “No versículo 39, todos é neutro singular (pān) como no versículo 37a, e quando Jesus diz: Eu ‘o’ ressuscitarei (auto) no último dia, ele está falando do seu povo como um todo. No versículo 40, todo é masculino singular (pas), e quando Jesus diz: Eu ‘o’ (auton) ressuscitarei no último dia, ele está falando de cada crente individual, como no versículo 37b.”
O “todos aqueles” no verso 39 é idêntico àquele do verso 37 como Bruce mais uma vez explica, “Na primeira parte do versículo 37, todo é neutro singular (grego pan), o que indica o total de crentes. Na segunda parte (o que) está em vista cada indivíduo deste total. Esta alternância entre a comunidade como um todo e seus membros individuais reaparece nos versículos 39 e 40.” Então Schreiner e Ware estão corretos em dizer, “somente alguns foram dados pelo Pai ao Filho.” Entretanto, os “alguns” que o Pai selecionou para ser dado ao Filho não são outros senão “o total de crentes” ou “toda a multidão de crentes” [Lenski, The Gospel of John, p. 468], ou melhor ainda “todos os crentes considerados como um todo completo” [Vincent, Word Studies, 2:150]. Por essa razão, certas pessoas não são selecionadas e então dadas a Jesus a fim de tornarem-se crentes, como os calvinistas afirmam, pessoas são dadas a Jesus porque elas já são crentes.
Visto que o Pai dá crentes a Jesus, então o que Jesus quis dizer por “virá a mim”? Isto nos leva ao próximo grande problema com a interpretação de Schreiner e Ware. Eles unem a palavra “vir” nos versos 35, 37b, e 44 com “virá” no verso 37a. Eles escrevem, “Não faríamos, por essa razão, nenhuma violência ao significado deste verso se enunciássemos como segue: ‘Todo o que o Pai me dá crerá em mim.’” Infelizmente, isto é precisamente onde os calvinistas têm falhado em precisamente refletir o significado pretendido de Cristo e onde os arminianos têm falhado em apontá-lo.
Primeiro, já temos determinado a quem o “todo o que” se refere – todos os crentes considerados como um todo completo. Conseqüentemente, não faria nenhum sentido para Jesus ter dito, “Todos os crentes que o Pai me dá crerão em mim.” Jesus já tem toda a multidão de crentes em vista como aqueles dados a Ele pelo Pai e que “virá” a Ele.
Segundo, é significativo que a palavra grega para “vir” nos versos 35, 37b, 44 e 45 é diferente da palavra “virá” em 37a. “Virá” (heko) enfatiza a idéia de alcançar ou chegar, ao passo que alguém que vem (erchomai) a Jesus enfatiza o processo de vir. Nos versos 35 e 37b, “vir” é um particípio presente que se refere a uma ação contínua e é literalmente traduzida “vindo.” Como Schreiner e Ware corretamente notaram, neste contexto é sinônimo de “crer.” É também significativo que “crer” é usado como um particípio presente nos versos 35, 40, 47. Crentes individuais que permanecem vindo a Jesus em fé são prometidos que eles nunca ficarão espiritualmente famintos (v. 35a), nem serão afastados ou “lançados fora” de Jesus para condenação no último dia (implícito, v. 37b).
Entretanto, no verso 37a, Jesus não tem especificamente o crente individual em mente, mas todos os crentes como um todo coletivo. É eles que virão a Jesus. A palavra grega para “virá” (heko) não é um particípio presente mas um indicativo futuro. Como é que todos os crentes, considerados como um todo completo, virão a ou alcançarão Jesus no futuro? A resposta é fornecida dois versos após pelo outro “todo o que” no verso 39: “E a vontade do Pai que me enviou é esta: Que nenhum de todos aqueles que me deu se perca, mas que o ressuscite no último dia.”
De acordo com o verso 39, todos os crentes, considerados como um todo completo, que o Pai deu a Jesus serão ressuscitados no último dia. No verso 37a, todos os crentes, considerados como um todo completo, que o Pai dá a Jesus virão a Jesus. Cada vez que o verbo “ressuscitar” (anistemi) é usado em João (6.39, 40, 44, 54), ele está no indicativo futuro como “virá” (heko). Por essa razão, parece seguro concluir, do contexto imediato, da frase correspondente “todo o que,” da mudança na palavra grega e seu tempo verbal, que “virá” a Cristo no verso 37a é paralelo em significado com a frase “ressuscitarei no último dia.” Todos os crentes certamente virão a Jesus na salvação final por uma futura ressurreição!
Que “virá” (heko) deve ser interpretado como um vir a salvação final por uma futura ressurreição em Jo 6.37a é dado maior confirmação quando vemos como foi usado por Jesus nos outros Evangelhos. “Mas eu vos digo que muitos virão (heko) do oriente e do ocidente, e assentar-se-ão à mesa com Abraão, e Isaque, e Jacó, no reino dos céus; e os filhos do reino serão lançados (ekballo) nas trevas exteriores; ali haverá pranto e ranger de dentes.” (Mt 8.11-12). “Ali haverá choro e ranger de dentes, quando virdes Abraão, e Isaque, e Jacó, e todos os profetas no reino de Deus, e vós lançados fora (ekballo exo). E virão (heko) do oriente, e do ocidente, e do norte, e do sul, e assentar-se-ão à mesa no reino de Deus.” (Lc 13.28-29). “Todo o que [todos os crentes considerado como um todo completo] o Pai me dá virá (heko) a mim [em salvação final por uma futura ressurreição]; e o que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora (ballo exo).” (Jo 6.37).
Em cada um destes contextos a comunidade dos crentes é aqueles que virão a Jesus na salvação final, enquanto os incrédulos serão lançados fora para condenação final. Enquanto os arminianos não têm notado o significado de heko ao interpretar Jo 6.35ff, os calvinistas têm, conseqüentemente, feito mal uso dele para apoiar a eleição incondicional e a graça irresistível. Mas Jo 6.44 não ensina uma graça particular, uma graça eficaz dada somente a alguns? Não, não ensina. O verso não diz, “aquele que é dado graça (que é atraído pelo Pai) é na verdade salvo (ressuscitado),” como Schreiner e Ware argumentam. O verso diz, “Ninguém pode vir (erchomai) a [crer em] mim, se o Pai que me enviou o não trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia.” Quem é aquele que será ressuscitado no último dia de acordo com Jesus? A frase “ressuscitar” é usada três outras vezes por Jesus em Jo 6 e em cada uma ela se aplica tanto à comunidade dos crentes como aos seus crentes individuais:
“E a vontade do Pai que me enviou é esta: Que nenhum de todos aqueles que [todos os crentes considerados como um todo completo] me deu se perca, mas que o ressuscite no último dia” (v. 39). “Porquanto a vontade daquele que me enviou é esta: Que todo aquele que vê o Filho, e crê nele, tenha a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia” (v. 40). “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia” (v. 54).
Note que antes de encontrarmos este “atrair” do Pai encontramos Jesus declarando várias vezes que somente aqueles que crêem nele possuem a vida eterna (6.27-29, 40; cf. 3.16, 18, 36; 6.54); nunca terão fome nem sede (6.35); e não serão afastados ou lançados fora (6.37b). É somente quando chegamos ao verso 44 que descobrimos que uma pessoa não pode crer em Jesus a menos que o Pai o “atraia.” Claramente,
Tanto a graça soberana de Deus quanto a resposta humana desempenham um papel na salvação humana, mas até a resposta humana de alguém é capacitada pela graça de Deus. O papel de Deus na relação é incomparavelmente maior do que o do homem, mas o fato permanece que Deus não salva nem salvará uma pessoa sem a resposta humana positiva, chamada fé, para o levar e o atrair divinos. [Ben Witherington, John’s Wisdom: A Commentary on the Fourth Gospel, p. 158].
Jesus poderia ter dito, “Ninguém pode crer em mim, se o Pai que me enviou o não trouxer, e aquele que crê em mim (em resposta a esta atração), eu o ressuscitarei no último dia.” Mas visto que ele já afirmou aos seus ouvintes que eles devem vir para ou crer nele a fim de receber as promessas, não era necessário enfatizar isto aqui. A preocupação de Jesus era enfatizar a iniciativa soberana de Deus que precede e capacita a resposta humana de fé. Por essa razão, enquanto o verso 44 não implica a graça irresistível, ele implica uma graça capacitante necessária para uma pessoa responder em fé à oferta de Jesus para receber a vida eterna.
Revista Arminiana - Vol 23 Edição 1 (Primavera 2005)
Fonte: http://www.arminianismo.com/index.php?option=com_content&view=article&id=35:calvinismo-e-joao-seis-uma-resposta-exegetica-parte-1&catid=29&Itemid=100033
Calvinismo e João Seis: Uma Resposta Exegética, Parte 2
Steve Witzki
Então, se João 6 não ensina a eleição incondicional nem a graça irresistível, ele todavia não ensina a segurança eterna incondicional? Schreiner e Caneday pensam que sim ao escrever,
O texto [Jo 6.37-40] começa afirmando que todos que o Pai deu ao Filho “virão” ao Filho. Este vir ao Filho é equivalente a crer no Filho. Sabemos disto de Jo 6.35, onde Jesus diz, “Eu sou o pão da vida; aquele que vem a mim não terá fome, e quem crê em mim nunca terá sede.” É óbvio nesta sentença que vir e crer são sinônimos, visto que aquele que “vem a” ou “crê em” Jesus satisfaz sua fome e sede. Portanto, quando Jesus diz em Jo 6.37 que os que foram dados pelo Pai “virão” ao Filho, ele quer dizer que eles “crerão” no Filho. Sabemos, entretanto, que nem todos crêem em ou vem ao Filho, então o Pai dá somente alguns seres humanos ao Filho. Os que são dados, entretanto, certamente virão [37a], e os que creram em Jesus nunca serão expulsos pelo Filho [37b]. O que Jesus quer dizer com isto é expresso mais claramente em Jo 6.39: “Que nenhum de todos aqueles que me deu se perca, mas que o ressuscite no último dia.” Ninguém que o Pai dá ao Filho perecerá; isto é, nenhum crente jamais será perdido. Jesus garante que cada um sem exceção será preservado, e ele também especifica para o que eles serão preservados quando diz que os ressuscitará “no último dia.” Quando Jesus diz que eles serão ressuscitados no último dia, ele quer dizer que eles chegarão à ressurreição. Eles entrarão completamente na vida da era vindoura.
Jo 6.40 esclarece isto também. Aqueles que olham para o Filho e crêem nele “têm a vida eterna.” Isto é, eles já desfrutam da vida da era vindoura. Dessa forma, segue inexoravelmente, diz Jesus, que “eu ressuscitarei” tais pessoas “no último dia.” Ninguém que agora tem a vida eterna deixará de experimentar a ressurreição do fim dos tempos. Jesus promete que eles experimentarão a ressurreição por causa de sua obra preservadora. Os que foram especificamente dados a ele nunca se perderão. Este mesmo tema é reiterado em Jo 6.44: “Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia.” Aqui Jesus complementa o que disse em Jo 6.37. Lá ele disse que os que foram dados ao Pai virão ao Filho. Aqui ele enfatiza que os que não foram dados não podem vir ao Filho. A idéia, obviamente, não é que eles sinceramente desejam vir a Jesus mas que o Pai os impede de assim fazer. Antes, eles não podem vir porque não têm qualquer desejo de crer em Jesus. Eles são naturalmente repelidos por ele. Por outro lado, aos que são atraídos pelo Pai são dados o desejo e vontade de crer, e uma vez que crêem eles recebem a garantia de que Jesus irá ressuscitá-los no último dia. A ênfase aqui é no poder da graça de Deus. Ele concede às pessoas o desejo de vir a Jesus, e uma vez que eles vêm ele assegura que eles nunca se apartarão dele. Estas promessas fornecem tremendo conforto e força aos crentes [The Race Set Before Us: A Biblical Theology of Perseverance and Assurance, pp. 249-50].
Se o leitor tivesse lido a primeira parte deste artigo teria notado que Schreiner e Caneday cometem o mesmo erro que Schreiner e Ware cometeram ao ligar o “vem (erchomai) a Mim” no versículo 35a, 37b e 44, ao “virá (heko) a Mim” no versículo 37a. Isto levou Schreiner e Ware a incorretamente concluir que Jo 6.35-44 ensina a eleição incondicional e a graça irresistível. Usando este mesmo raciocínio, Schreiner e Caneday agora concluem que Jo 6.35-44 ensina a segurança incondicional – a conclusão natural destas outras doutrinas. Temos demonstrado que a eleição incondicional e a graça irresistível não são nem explicitamente nem implicitamente ensinadas por Jesus em Jo 6.35-44. Se nossa interpretação tiver sido correta até então, ninguém pode supor que Jesus estava ensinando a segurança eterna incondicional também.
Em breve iremos argumentar que Jesus ensinou a segurança condicional dos crentes antes que a incondicional. No artigo anterior observamos que quando a comunidade dos crentes está em vista (“todo que” 6.37, 39), as promessas são certas de serem cumpridas. Jesus prometeu que a comunidade dos crentes “virá (heko) a Mim,” que ele os “ressuscitará no último dia,” e que ele não perderá nenhum. Estas promessas são certas porque o “todo que” no v. 39 foi unido por Jesus ao que ele disse no v. 40 pelo conectivo “porquanto”:
“E a vontade do Pai que me enviou é esta: Que nenhum de todos aqueles [= todos os crentes considerados como um todo completo] que me deu se perca, mas que o ressuscite no último dia. Porquanto a vontade daquele que me enviou é esta: Que todo aquele que vê o Filho, e crê nele, tenha a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia.”
Como Vincent disse, “A vontade do Pai na preservação e ressurreição daquilo que deu ao Filho inclui em seu cumprimento a contemplação confiante do Filho e sua questão na vida eterna” [Word Studies, 2:150]. Portanto, concordamos com Schreiner e Caneday quando dizem,
Aqueles que olham para o Filho e crêem nele “têm a vida eterna.” Isto é, eles já desfrutam da vida da era vindoura. Dessa forma, segue inexoravelmente, diz Jesus, que “eu ressuscitarei” tais pessoas “no último dia.”
Jesus certamente irá ressuscitar aquelas pessoas que estão cumprindo a condição, como o calvinista James White explica,
Especificamente, Cristo diz que aquele que olha (um particípio presente indicando uma ação contínua, não apenas uma olhadela, mas um olhar permanente e constante) e crê (outro particípio presente, por exemplo: continua crendo) tem a vida eterna. Aqueles que não olham e se mantêm olhando, não crêem e se mantêm crendo, não podem reivindicar de Cristo a vida eterna! [Drawn by the Father, p. 61, fn. 8].
Aqueles que não se mantêm olhando para e crendo em Jesus não podem alegar possuir a vida eterna nem podem esperar ser ressuscitados no último dia. A comunidade dos crentes é certa de ser ressuscitada porque eles compreendem aqueles que estão cumprindo a condição – olhando para e crendo no Filho. Observamos que Jesus oscila entre a comunidade dos crentes (37a, 39) e seus membros individuais (v. 35, 37a, 40) neste contexto. Em ambos os casos a segurança do crente é condicional a uma confiança contínua e viva em Jesus. Isto é confirmado pela linguagem condicional que Jesus usa por todo seu discurso do Pão da Vida:
Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela comida que permanece para a vida eterna, a qual o Filho do homem vos dará; porque a este o Pai, Deus, o selou. Disseram-lhe, pois: Que faremos para executarmos as obras de Deus? Jesus respondeu, e disse-lhes: A obra de Deus é esta: Que creiais naquele que ele enviou (Jo 6.27-29).
E Jesus lhes disse: Eu sou o pão da vida; aquele que vem a mim não terá fome, e quem crê em mim nunca terá sede. Mas já vos disse que também vós me vistes, e contudo não credes. Todo o que [= todos os crentes considerados como um todo completo] o Pai me dá virá a mim [serão “ressuscitados no último dia”]; e o que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora. Porque eu desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou. E a vontade do Pai que me enviou é esta: Que nenhum de todos aqueles [= todos os crentes considerados como um todo completo] que me deu se perca, mas que o ressuscite no último dia. Porquanto a vontade daquele que me enviou é esta: Que todo aquele que vê o Filho, e crê nele, tenha a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia (Jo 6.35-40).
Na verdade, na verdade vos digo que aquele que crê em mim tem a vida eterna (Jo 6.47).
Eu sou o pão da vida... Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia. Porque a minha carne verdadeiramente é comida, e o meu sangue verdadeiramente é bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele. Assim como o Pai, que vive, me enviou, e eu vivo pelo Pai, assim, quem de mim se alimenta, também viverá por mim. Este é o pão que desceu do céu; não é o caso de vossos pais, que comeram o maná e morreram; quem comer este pão viverá para sempre (Jo 6.48, 54-58).
Estas promessas devem “fornecer tremendo conforto e força aos crentes,” como Schreiner e Canedau disseram, mas este conforto e força é para aqueles que estão cumprindo a condição. Não menos que dez vezes encontramos as promessas de não estar espiritualmente faminto ou sedento, de não ser expulso de Jesus, de possuir a vida eterna com a segurança de ser ressuscitado no último dia, de permanecer em uma união vivificante com Jesus, de viver até a era vindoura sendo condicionalmente antes que incondicionalmente assegurado. São os que crêem, vêm e bebem, ou se alimentam do Pão da Vida, que participam das promessas tanto agora quanto mais plenamente na era vindoura. Conseqüentemente, não é “os que creram em Jesus nunca serão expulsos pelo Filho,” como Schreiner e Caneday escrevem, mas os que creram e continuam crendo em e vindo a Jesus. O verbo para vir (35, 37b) e crer (35) “são traduções de particípios presentes, denotando não um único ato de vir ou crer mas um vir e crer contínuos. Dessa forma, a fé de uma vida inteira está subentendida” [Turner and Mantey, The Evangelical Commentary: The Gospel According to John, p. 161].
Ninguém pode confirmar a doutrina da segurança eterna incondicional ou “uma vez salvo sempre salvo” de passagens como Jo 6.35ff. Uma coisa é dizer que Jesus não irá expulsar aquele que continua a vir a ele em fé; outra é sugerir que “uma vez que eles vêm, ele [irresistivelmente] assegura que eles nunca se apartarão dele” [Witherington, John’s Wisdom, p. 158, os colchetes são meus] como Schreiner e Caneday afirmam. Jesus ensinou o primeiro mas não o último. O calvinista F. F. Bruce escreve,
Nenhum crente precisa ter medo de ser esquecido na multidão de companheiros na fé. A comunidade como um todo e cada membro da comunidade individualmente foram dados pelo Pai ao Filho, e serão guardados em segurança pelo Filho até consumar-se a vida ressurreta no último dia. [João – Introdução e Comentário, p. 140]
Os arminianos afirmam juntos com os calvinistas que Jesus mantém os crentes seguros e protegidos até a consumação da vida da resssurreição no último dia. Entretanto, esta segurança não é garantida como resultado da eleição incondicional e da graça irresistível, ou porque um único momento de fé foi exercido em algum tempo no passado como os calvinistas modificados sugerem. A segurança do crente é condicional a uma confiança contínua e viva em Jesus. Somente aqueles que estão cumprindo a condição estão assegurados de participar das promessas que Jesus oferece ao dar-lhes como o Pão da Vida. Daniel Whedon escreve em seu comentário sobre Jo 6.40,
Enquanto ele [o crente] cumpre a condição, ele é herdeiro da salvação. Quando ele deixa de ser um crente ele perde toda reivindicação à promessa divina, e toda parte na vida eterna. Que ele uma vez creu não mais lhe garante o céu do que o fato que ele uma vez descreu lhe assegura a morte eterna [Commentary 2:288].
Espero considerar em um artigo futuro na Revista Arminiana se é possível que um crente genuíno deixe de crer em Cristo e perca a reivindicação à promessa da vida eterna. Mas até então, vamos ser pessoas que estão continuamente participando de Jesus, o Pão da Vida, e aguardando ser ressuscitados para a vida eterna em Sua gloriosa volta.
Revista Arminiana - Vol 23 Edição 2 (Outono 2005)
Fonte: http://www.arminianismo.com/index.php?option=com_content&view=article&id=1062:calvinimo-e-joao-seis-uma-resposta-exegetica-parte-2&catid=229:vol-23-edicao-2-outono-2005&Itemid=100033
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