segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Capítulo XIII – Martinho Lutero: sua teologia e legado.


Capítulo XIII – Martinho Lutero: sua teologia e legado.
“Os amigos da cruz afirmam que a cruz é boa e que as obras são más, porque mediante a cruz as obras são derrubadas e o velho Adão cuja força está nas obras, é crucificado”
(Martinho Lutero)


1.1. INTRODUÇÃO:
            Hoje nosso foco será entender a construção teológica realizada por Martinho Lutero. Quando Marinho chegou diante da dieta de Worms, sua construção teológica estava bem desenvolvida e já possuía uma espinha dorsal que nos dá base para entendermos o pensamento que serviu como arcabouço teológico para o nosso célebre monge.

1.2. A Teologia da Cruz
            Lutero não era um teólogo sistemático. Sua mente não funcionava como de outros reformadores, por exemplo: João Calvino e seu assistente Filipe Melâncton. Martinho era um pensador dialético, sua construção metodológica se dava através dos paradoxos. Mesmo assim, Lutero produziu outros tratados que tiveram esse enfoque, como as confissões de Augsburgo e os Artigos de Smalcald.
            Por tratar dos descritos de Lutero serem construídos da forma já comentada, devemos tentar exaurir dos mesmos seus principais princípios teológicos ao invés de realizarmos meramente um estudo sobre os escritos do pensador. Neste caso iremos tratar neste ponto de um de seus principais pensamentos que a Teologia da cruz x Teologia da glória.
            É claro que muito de nós conhecemos muito mais de Lutero no que diz respeito a sua contribuição para o resgate da Justificação pela fé; das Escrituras como pilar para a construção de toda e qualquer teologia; a quebra do mérito pessoal humano e a graça existente em Cristo Jesus; o sacerdócio universal dos crentes, etc.
            Porém, se pudéssemos perguntar à Marinho qual foi a sua maior contribuição para o Cristianismo ele diria ser a “Teologia da Cruz”, mas, para entendermos o que é a teologia da cruz, precisamos contrastá-la a outra teologia de sua época, a teologia da glória.
            Em 1518, um ano após ter exibido suas 95 teses em Wittenberg, Lutero foi convidado pelo mosteiro agostiniano de Heidelbeg para explicar suas teses e pensamentos teológicos. Martinho considerava a teologia escolástica como o maior inimigo ao retorno a Palavra de Deus, para que o homem encontra-se o mais puro evangelho. O pensamento romano que tentava explicar Deus pela razão humana foi chamado por Martinho de “teologia da glória”.
            Vejamos um comentário do próprio Lutero sobre este fato:
“É certo que o homem precisa se desesperar totalmente de suas próprias capacidades antes de estar pronto para acolher a graça de Cristo. [...] Não merece ser chamado teólogo aquele que considera as coisas invisíveis de Deus como se fossem claramente perceptíveis nas coisa sque realmente aconteceram (Rm. 1.20). [...] Merece ser chamado teólogo, no entanto, aquele que compreende as coisas visíveis e manifestas de Deus da perspectiva do sofrimento da cruz. [...] O teólogo da glória chama o mal de bem e o bem de mal. O teólogo da cruz chama as coisas conforme realmente são.”[1]
            Paul Althaus sintetizando as diferenças entre a teologia da glória e a teologia da cruz vai dizer: “A teologia da glória conhece Deus pelas obras; a teologia da cruz o conhece pelos sofrimentos”. Martinho se utilizava das palavras de Paulo aos Coríntios para a sua construção metodológica. Diz Paulo: “Porque a palavra da cruz é loucura para os que perecem; mas para nós, que somos salvos, é o poder de Deus. (I Coríntios 1.18)
            Nosso querido Martinho entendia que a teologia natural escolástica tinha a presunção de querer explicar o Eterno através da razão. Lutero tinha muito claro em sua mente que nós só conhecíamos o que conhecíamos de Deus, por que Ele mesmo se deu a revelar através de sua Palavra, e não por que podemos através de qualquer outro pressuposto ter um conhecimento da pessoa e da obra de Deus.
            Tomaz de Aquino, se não for o maior, um dos maiores pensadores escolásticos, segundo a posição e entendimento de Lutero, queria apresentar a Deus a partir do conhecimento do próprio homem. As teorias da existência de Deus elas são atrativas ao homem para uma explicação racional sobre as provas de que Deus existe. Na cosmovisão de Lutero isso de fato não pode ser realizado desta forma. Haja vista que, Deus se deu a revela em sua totalidade em uma cruz, através da pessoa de Jesus seu filho. Olson diz o seguinte sobre este pensamento de Lutero:
“A teologia da glória, portanto, é a teologia centralizada no homem e induz à superestimação do poder e da capacidade naturais do homem. A teologia da cruz revela a verdadeira condição dos seres humanos, como pecadores desamparados, alienados de Deus, na mente e no coração, necessitando desesperadamente do plano da salvação criado por Deus: a cruz de Cristo. A teologia da glória sugere que os seres humanos podem se elevar a Deus por seus próprios esforços e conduz a projetos humanos de salvação própria e de especulação teológica. A teologia da cruz proclama que os seres humanos são totalmente dependentes e incapazes de descobrir qualquer coisa a respeito de Deus sem ajuda da auto-revelação do próprio Deus, e conduz ao discipulado marcado pelo sofrimento em nome de Deus e do próximo”.[2]
            Lutero quando veste os óculos hermenêuticos da “teologia da cruz” ele consegue enxergar a discrepância teologia em que a igreja de Roma está inserida. E como a mesma está distante da vontade do Senhor Jesus. Quando olha para o papa e enxergar um homem cheio de pompa, rico e distante do povo. Não consegue enxergar a imagem de um líder semelhante a Jesus o servo sofredor.
            Martinho tinha em sua concepção que o pensamento teológico romano era construído muito mais com base em Aristóteles do que com base na Bíblia, a Palavra de Deus, onde o próprio Deus se deu a revelar ao homem. Lutero vai construir seu pensamento a respeito da eleição com sua forte ênfase da escravidão da vontade humana, devido a queda e o pecado original. Sua construção teológica da cruz o levou a crer no monergismo da salvação, o que ele mesmo chamou de “vinho muito forte e alimento sólido para os fortes”. Ao contrário do que muitos pensam acerca do pensamento da predestinação de Lutero, ele não construiu essa sua cosmovisão baseando-se em argumento teológicos ou filosóficos, sua cosmovisão partia da cruz, onde em sua opinião o homem se revela desamparado e dependente da intervenção divina para sua salvação.


1.3. “Coram Deo”
            O nosso célebre monge acreditava que a existência humana era para ser vivida em “coram Deo”, ou seja: “Diante de Deus”, ou, “Na presença de Deus”. Luterto contrapõe nesta questão a teologia escolástica e a filosofia neokantista que tentavam explicar a existência de Deus em um conceito ordenado. Tendo Deus como o Ser Necessário. Na opinião de Martinho esta argumentação colocava Deus como um Ser totalmente distante, e realizava um conhecimento de Deus neutro de decisões. Ou seja, o ser humano não precisava se decidir se serviria a Deus ou não.
            Na mente do nosso querido monge essa concepção era totalmente inconcebível relacionada ao Deus e Pai de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo apresentado nos evangelhos.  Lutero acreditava que Deus era um ser vivo, presente, tão transcendente como imanente. Um Ser que se relacionava com sua criação, e por esse motivo deseja que a mesma se posicione ou não a Seu favor.

1.4. “Christus por Me”
            Conforme discorremos sobre a teologia da cruz de Lutero, o âmago central de sua teologia e pensamento e a pessoa de Jesus que deu-se a si mesmo, absolutamente e sem reservas, por nós. Por diversas vezes já nos foi esclarecido o fato que Lutero não conseguia conceber a explicação sobre algum conceito divino, exaurindo o mesmo de forma cientifica metodológica. Por este motivo Martinho acreditava que a pessoa de Jesus não podia ser algo meramente histórico e concebido via racionalidade. Na opinião de nosso célebre pensador, não bastava apenas saber que Cristo morreu por nós, expiando os nossos pecados. Até porque, até os demônios creem e tremem sobre a teoria da expiação.
            A expiação de Cristo só passa a ter significado quando ela é experimentada como algo pessoal. É quando o homem abre seu coração para Cristo e é derramado em seu coração o Espírito Santo da promessa, que ele sente-se abraçado e cuidado por Deus, sentindo uma paz que excede todo e qualquer entendimento. Quando isto acontece, a questão deixa da expiação deixa de ser “por nós” e passa a ser “por mim”, algo empírico, existencial.
            Alguns chegaram a criticar Lutero de modo errôneo e estranho, dizendo que esta sua posição era extremamente subjetiva e antropocêntrica. Aqueles que assim o fizeram foram extremamente infelizes em tais declarações. Haja vista que todo discurso do nosso monge era caracterizado pela Soberania de Deus. A questão defendida por Lutero nesta questão era que a fé é algo experimental e não abstrata. Só se pode conhecer a Deus através da fé pessoal em sua pessoa e obra.

1.4. Anfechtung
            Essa palavra algumas vezes fora traduzida e interpretada de modo muito simplista, esvaziando a mesma de toda profundidade que a ela recebia na vida de Lutero. A tradução simples era “tentação”. A melhor forma de entendermos a mesma na vida de Lutero é com diversas expressões do tipo: pavor, desespero, sensação de perdição, agressão, ansiedade, angústia, etc.
            Em sua busca em entender e conhecer a Deus, Lutero era invadido de tais sensações que o deixavam totalmente torturado. Certa vez ele disse: “nem há um só canto não preenchido pelo mais amargo sofrimento, horror, medo, dor, e todas essas coisas parecem eternas”. [1] Era sensação sombria, onde parecia que ele seria tragado por algo que ele não conseguia explicar. Seu desejo era sumir e se esconder em algum lugar profundo e longe de tudo e de todos.
            Essa sensação não foi momentânea na peregrinação espiritual de Lutero em busca de Deus e de sua percepção sobre sua pessoa. Em outra ocasião expressando exatamente isso que estamos falando ele disse: “Não aprendi minha teologia toda de uma vez, mas tive de buscá-la mais a fundo, onde minhas tentações [Anfechtungen] me levavam, [...] não a compreensão, a leitura ou a especulação, mas o viver, ou melhor, o morrer e o ser condenado fazem um teólogo”.[2]
            Lutero acreditava que o vivenciar a fé cristã não era fácil, como infelizmente temos escutado tanto em os nossos dias. Ele ficava furioso quando alguém simplifica por si mesmo o conceito cunhado do, “sola fide”, como algo simples e prático a ser experimentado. Martinho acreditava que uma concepção sadia de Deus era construída através de toda uma vida de tentações e lutas contra o diabo, a carne e o mundo.
1.5. Martinho Lutero um teólogo dialético
            A construção do pensamento de Lutero sempre se dava de forma paradoxal entre dois pontos extremos. A dialética tinha o entendimento de que a verdade só poder ser alcançada quando contrastada com outra verdade. Martinho em toda a sua construção teologia se utilizou desta concepção para a construção de seu pensamento.
            A Bíblia está repleta destes paradoxos: “Deus e o mundo, liberdade e escravidão, Deus oculto e Deus revelado, etc”. Lutero jamais se desfazia de algum dos lados. Ele sempre se utilizava da tensão e nunca se desfazia da mesma para a construção de seus pensamentos. Por exemplo: Não poderíamos entender o evangelho se não fosse pela lei, que revela nossa incapacidade de viver corretamente e assim aponta-nos para Cristo. Nesse caso a polaridade lei-evangelho é entendida conjuntamente: tanto a lei quanto o evangelho são essências a salvação.


1.6. A Palavra de Deus
            É de conhecimento de todos que Lutero trouxe novamente a Palavra de Deus como pressuposto para todo e qualquer parecer teológico. Para Lutero era impossível se construir um pensamento teológico tendo qualquer outro pressuposto que não fosse a Palavra de Deus.
            Porém, o fato que poucas pessoas sabem é que a Bíblia para Lutero era muito mais do que a Palavra de Deus, era o próprio Deus. Martinho tinha como base para esse pensamento o verso escrito por João em seu evangelho: “No princípio era aquele que é a Palavra. Ele estava com Deus, e era Deus.”  (João 1:1 – Nova Versão Internacional)
            O historiador Justo Gonzalez vai explicar de forma bem clara o pensamento de Lutero, ele diz assim: “As Escrituras nos dizem que, num sentido estrito, a Palavra de Deus é Deus mesmo, a segunda pessoa da Trindade, o verbo que se fez carne e habitou entre nós. Assim, quando Deus fala, o que sucede não é simplesmente que nos comunica certa informação, mas que também e, sobretudo, que Deus atua. Isto também pode ser visto no livro de Gênesis, onde a Palavra de Deus é a força criadora: “Disse Deus...” Assim quando Deus fala, Deus cria o que pronuncia. Sua Palavra além de dizer-nos algo, faz algo em nós e em toda criação. Essa Palavra se encarnou em Jesus Cristo, que por sua vez é a revelação máxima de Deus e sua máxima ação. Em Jesus, Deus se nos deu a conhecer. Porém, também nele venceu os poderes do maligno que nos sujeitavam. A revelação de Deus é também a vitória de Deus.”[1]
            A Bíblia não é a Palavra de Deus por ser inerrante, ou infalível. Ela não é meramente uma ferramenta que os estudiosos de teologia ou filosofia se utilizam para seus embates do saber, mas, a Bíblia é a Palavra de Deus por que é nela que encontramos o Cristo de Deus, a Logos, a Palavra encarnada.
            Esta tese de Lutero sobre Cristo ser a Palavra de Deus é que desconcertou os argumentos católicos que rogavam para si mesmos a autoridade sobre as Escrituras Sagradas. Lutero dizia que nem a Igreja havia criado a Bíblia e nem a Bíblia havia criado a Igreja, mas, o evangelho é que havia criado tanto um como o outro. Haja vista que a tradição da igreja e os mais diversos papas por diversas vezes já se contradisseram no decorrer da história.
1.7. A Igreja e os Sacramentos
            Nosso monge pensava que o relacionamento de todo cristão não se dava diretamente com Deus, mas que, a intimidade do cristão com Deus se dava através da comunhão em  uma comunidade local de fieis, o qual ele mesmo carinhosamente chamava de “igreja mãe”. Mesmo com todos os seus lidares e percalços com as autoridades eclesiásticas, Martinho jamais diminui ou desdenhou da Igreja.
            Lutero ao ensinar sobre o sacerdócio universal dos crentes, de modo nenhum quis dizer que por um crente não precisar mais de um sacerdote para poder se achegar a Deus, ele deveria viver isolado da comunidade da fé. Pelo contrário, seu entendimento é que cada crente deveria de ser um sacerdote na vida do outro, e mutuamente haver ministração. Seu embate em relação ao sacerdócio foi à hierarquia e diferenciação entre clero e leigo.
            Na concepção de Lutero e através da igreja que recebemos os dois sacramentos que nos foi outorgado por Cristo: O batismo e a ceia do Senhor. Os demais ritos mesmo que recebam esse nome podem ser benéficos mais na concepção de Lutero não podem ser considerados como sacramento.
            Na concepção de Martinho o Batismo não era apenas uma demonstração de que morremos para o mundo e ressuscitamos para Cristo. Para Lutero era também o momento místico que erámos enxertados no corpo de Cristo.  Nosso querido monge dizia que para ser batizado não era necessário ter fé. Porém, a questão de salvação é uma iniciativa sempre de Deus, e por isso ele acreditava no pedobatismo, pois uma criança jamais conseguiria entender tal coisa.
            Lutero também combateu muitas outras doutrinas da tradicional fé romana. Por exemplo: as missas privadas, a ceia como repetição do sacrifício de Cristo, à ideia de que a missa confere méritos, e a doutrina da transubstanciação. Mesmo combatendo todas estas coisas, Martinho não desmereceu o lugar da ceia do Senhor e a colocou junto com a pregação no centro do culto cristão.
            Martinho não acreditava que os elementos de fato se tornassem literalmente o corpo e o sangue de Jesus. Porém, o mesmo acreditava que Cristo estava presente de forma mística neste momento de comunhão. Esta tese de Martinho mais tarde ganhou o nome de consubstanciação. A mesma também serviu de racha entre os cristãos protestantes. Haja vista que um grupo passou aderir a ceia do Senhor como um memorial.
1.8. Os dois Reinos
            Lutero tinha a concepção que Deus havia criado dois Reinos: O Estado e a igreja. O Estado era o detentor do poder para controlar a impiedade da humanidade distante de Deus e morta em seus pecados. E a igreja estava debaixo do evangelho que fazia parte de um outro Reino.
            Os cristãos por serem ainda pecadores e ainda não possuírem totalidade do Reino que Deus preparou, devem enquanto vivos se submeter às leis do Estado. E já o Estado não possuiu nenhuma influência ou domínio sobre a igreja de Deus. Lutero quis deixar isso bem claro para também clarificar o fato de que o evangelho não deve ser imposto e sim pregado através da Palavra de Deus.
            Esse pressuposto da vida de Lutero não o eximiu de praticar diversas atrocidades. Martinho não nos foi exemplo de pacifismo. Por diversas vezes foi voz e conclamou não só o Estado mais também os seus fiéis usarem de força para combater possíveis revoltas e invasões políticas.


[1] OLSON, Roger. História da Teologia Cristã: 2000 anos de tradição e reformas. São Paulo:Vida, 2001. Pg.391.
[2] OLSON, Roger. História da Teologia Cristã: 2000 anos de tradição e reformas. São Paulo:Vida, 2001. Pg.392.

[3] GEORGE, Timothy. Teologia dos reformadores. São Paulo: Vida Nova. 1993. Pg.62.
[4] GEORGE, Timothy. Teologia dos reformadores. São Paulo: Vida Nova. 1993. Pg.6
{5] GONZALEZ, Justo L. A era dos reformadores. São Paulo: Vida Nova, 1995. Pg. 66.

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