quinta-feira, 4 de julho de 2024

19º AULA – A SEMENTE DE ABRAÃO.

 


Projeto – “De bem com a Bíblia” – junho de 2024

Professor – Roberto da Silva Meireles Rodrigues

Livro – Gálatas.

19º AULA – A SEMENTE DE ABRAÃO.

“Cristo nos resgatou da maldição da lei, tornando-se maldição em nosso favor, pois está escrito: maldito todo aquele que for pendurado em um madeiro. Isso aconteceu para que a bênção de Abraão chegasse aos gentios em Jesus Cristo, a fim de que recebêssemos a promessa do Espírito pela fé. Irmãos, eu vos falarei em termos humanos. Embora feito por um home, ninguém anula um testamento já validado, nem lhe acrescenta coisa alguma. Assim, as promessas foram feitas a Abraão e a seus descendentes, como se falasse de muitos, mas como quem se refere a um só: E a teu descendente, que é Cristo.” (Gálatas 3:13-16)”

            A semelhança dos versos anteriores o apóstolo Paulo continua argumentar acerca da justificação mediante a fé em Cristo Jesus. O apóstolo continua usando os argumentos dos falsos mestres contra eles mesmos. Todavia, dessa vez ele usa outro texto de Deuteronômio para seu argumento do sacrifício substitutivo de Jesus Cristo na cruz do Calvário.

            O texto usado pelo apóstolo é o seguinte: “Se um homem tiver cometido um pecado digno de morte, e for morto, e o tiveres pendurado num madeiro, seu cadáver não passará toda a noite no madeiro, mas certamente o enterrarás no mesmo dia; pois aquele que é pendurado foi amaldiçoado por Deus. Assim, não contaminarás tua terra, que o Senhor, teu Deus, te dá como herança.” (Deuteronômio 21:22-23)

            “Todo criminoso condenado à morte e executado sob legislação mosaica, geralmente por apedrejamento, então colocado sob uma estaca, ou “pendurado em madeiro” como símbolo da rejeição divina. O Dr. Cole diz que a citação não significa “que um homem é amaldiçoado por Deus porque está pendurado no madeiro, mas que a morte no madeiro era o sinal externo em Israel de um homem que fora amaldiçoado”. O fato de os romanos executarem por crucificação e não por enforcamento não faz diferença. Ser pregado em uma cruz era o equivalente a ser “pendurado em um madeiro” (At 5:30; 1 Pe 2:24) e foi reconhecido como morto sob maldição divina. Por isso é que, no princípio, os judeus não conseguiram crer que Jesus fosse o Cristo. Como poderia Cristo, o ungido de Deus, em vez de reinar num trono, ser pendurado no madeiro? Era incrível para eles. Talvez, como sugere o Bispo Stephen Neill, quando se pregava a Cristo crucificado os judeus às vezes gritassem: “Jesus é maldito!”, que é a terrível exclamação mencionada em 1 Coríntios 12:3.”[1]

            Stott levanta uma indagação interessante sobre esta questão. A indagação é a seguinte: “Será que isto significa que todos foram redimidos da maldição da lei através da cruz de Cristo, que levou o pecado e a maldição?” Ele mesmo responde essa indagação que é feita de forma retórica dizendo que não, pois o verso 13 não pode ser lido e entendido desassociado do verso 14 que diz: “Isso aconteceu para que a bênção de Abraão chegasse aos gentios em Jesus Cristo, a fim de que recebesse a promessa do Espírito pela fé.”

            Nós não somos salvos por apenas um ato realizado a milênios atrás por um homem que para nós hoje se torna totalmente frio e distante. Mas, somos salvos pelo Cristo vivo hoje que nos conecta a Ele de forma existencial, por isso estamos n’Ele, a nossa experiência é em Cristo, somos salvos por estarmos n’Ele. Por este motivo o apóstolo sempre expressa dizendo “em Cristo”. O sacrifício de Jesus nos justifica quando estamos n’Ele mediante a fé.

            “Sem dúvida, é difícil imaginar o Cristo majestoso se tornando maldito. Como?! Jesus anátema? Como nos atrevemos a dizer semelhante coisa à vista de 1 Coríntios 12.3? Isso fica ainda mais problemático quando se leva em conta que geralmente – e corretamente – associamos a maldição com o pecado; Cristo, porém, não teve pecado (Is 53.9; Jo 8.46; 2Co 5.21; 1Pe 2.22). A única solução é aquela oferecida pelas preciosas palavras de Isaías 53.6: “mas o Senhor fez cair sobre ele a iniquidade de nós todos”; cf. também os versículos 10-12. De modo que a maldição de Cristo foi de caráter vicário (substitutivo): “Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós: para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus” (2Co 5.21). Esta verdade eminentemente bíblica da exposição substitutiva de Cristo tem sido negada por muitos em nossos dias. Ela tem sido chamada de “teologia do açougue”. No entanto, ela é ensinada não só aqui em Gálatas 3.13, em linguagem inconfundível, ela é a doutrina de toda a Escritura (Êx 12.13; Lv 1.4; 16.20-22; 17.11; Sl 40.6,7; 49.7,8; Is 53; Zc 13.1; Mt 20.28; 26;27,28; Mc 10.45; Lc 22.14, 23; Jo 1.29; 10.11, 14; At 20.28; Rm 3.24, 25; 8.3,4; 1Co 6.20; 7.23; 2Co 5.18-21; Gl 1.4; 2.20; Ef 1.7; 2.16; Cl 1.19-23; Hb 9.22, 28; 1Pe 1.18, 19; 2.24; 3.18; 1Jo 1.7; 2.2; 4.10; Ap 5.9; 7.14).[2]

            Timothy Keller em seu comentário sobre estes versos diz o seguinte: “Por que é tão importante entender isso? Porque revela a maravilhosa afirmação relacionada com o que nos acontece quando cremos. Se Jesus “se tornou” um pecador por nós, então nós, da mesma forma, nos tornamos justos. Se o fato de ele tomar para si a maldição significa que foi considerado por Deus como um pecador, então o fato de recebermos a bênção significa que somos considerados por Deus perfeitamente justos e sem defeito. Salvação significa muito mais do que perdão. Não se trata apenas de ter dívidas canceladas; também passamos a ser perfeitos aos olhos de Deus. E assim permanecemos. Não começamos confiando na morte de Cristo, que o transforma em maldição e nos abençoa, para depois seguirmos em frente “na carne”, como se agora tivéssemos de fazer por merecer a bênção contínua.” [3]

            Em uma citação de John Muray em sua “Teologia Sistemática” – Wayne Grudem ressalta a importância de entendermos a diferença entre as doutrinas da regeneração e justificação. Diz John Muray: “Regeneração é um ato de Deus em nós, justificação é um julgamento de Deus a nosso respeito. A distinção é como a diferença entre o ato de um cirurgião e o ato de um juiz. O cirurgião, ao remover um câncer interno, faz algo em nós. Isso não é o que um juiz faz – ele dá um veredicto concernente à nossa condição judicial. Se somos inocentes ele o declara de acordo com isso. A pureza do evangelho está em ligação estreita com o reconhecimento dessa distinção. Se justificação for confundida com regeneração ou com santificação, então a porta está aberta para a distorção do evangelho em sua essência. A justificação ainda é o elemento sobre o qual a igreja fica de é ou cai.” [4]

            Grudem vai conceituar justificação da seguinte forma: “Que é exatamente a justificação? Podemos defini-la da seguinte maneira: justificação é um ato instantâneo e legal da parte de Deus pelo qual ele (1) considera nossos pecados perdoados e a justiça de Cristo como pertencente a nós e (2) declara-nos justos à vista dele.”[5]

            O apóstolo mais uma vez usa de uma linguagem jurídica para ensinar acerca da sola fides (somente pela fé), ou seja, a justificação pela fé. No entanto, o apóstolo continua usando o argumento dos próprios mestres judaizantes contra eles mesmos. Ele utiliza a promessa de Deus para Abraão para apresentar o plano divino da salvação pela graça que vem do Antigo Testamento. É importante extrair sua teologia entendendo a história e o raciocínio usado por Paulo em seu argumento.

            É em um testamento que expressamos nosso desejo e vontades antes de nossa morte. Vale lembrar que todo testamento só válido após a morte e que também só pode ser anulado ou alterado enquanto em vida, após a morte ele fica impossibilitado de ser ajustado ou até mesmo anulado.

            Paulo argumenta nos dois últimos versos de nossa análise exatamente isso. Na verdade, ele deseja explicar que a promessa feita Abraão acerca de terra e de sua descendência que iria ocupá-la, na verdade, era de uma perspectiva espiritual. No verso 16 ele explica que Deus sempre disse “descendente” em algumas outras traduções “semente”, e não “descendentes” ou “sementes”. Deixando claro que a promessa de Deus feita a Abraão envolvia o seu descendente que possibilitaria um lugar espiritual (a nova Canãa) aos que pela fé estiverem n’Ele.

            Em seu comentário Dr. John Stott explica isso: “A que promessa divina ele está aludindo? Deus prometeu uma herança a Abraão e à sua posteridade. Paulo sabia perfeitamente bem que a referência imediata e literal a essa promessa era à terra de Canãa, que Deus iria dar aos descendentes físicos de Abraão. Mas ele também sabia que isso não exauria o seu significado; nem era também essa a referência final da mente de Deus. Realmente, talvez não fosse, pois Deus disse que na descendência de Abraão seriam abençoadas todas as famílias da terra; e como poderia o mundo inteiro ser abençoado através dos judeus que moravam na terra de Canaã? Paulo percebeu que as duas coisas, a “terra” que foi prometida e a “semente” a quem foi prometida, eram, em última análise, espirituais. O propósito de Deus não era simplesmente dar a terra de Canaã aos judeus, mas, sim, dar a Salvação (uma herança espiritual) aos crentes que estão em Cristo. Além disso, argumenta Paulo, essa verdade estava implícita na palavra que Deus usou, que não foi o plural “filhos” ou “descendentes”, mas o singular “semente” ou posteridade, um substantivo coletivo referindo-se a Cristo e todos aqueles que estão em Cristo pela fé (versículo 16). Essa era a promessa de Deus. Era livre e incondicional, sem qualquer compromisso. Não havia obras a realizar, nem leis a obedecer, nem méritos a estabelecer, nem condições a preencher. Deus simplesmente disse: “Eu lhe darei uma semente. À sua semente eu darei a terra, e em sua semente toda as famílias da terra serão abençoadas.” Sua promessa era como um testamento, que dava livremente a herança a uma geração futura. E, tal como um testamento humano, esta promessa divina é inalterável. Continua em vigor nos dias de hoje, pois nunca fio rescindida. Deus não faz promessas a fim de quebra-las. Ele nunca anula nem modifica a sua vontade.”[6]

            O estudioso do Novo Testamento Dr. Gordon D. Fee em sua obra “Cristologia Paulina” ressalta que nesta fala de Paulo acima explicada acerca da promessa feita ao descendente de Abraão ele ressalta o fator messiânico do título de Jesus como o “filho” de Deus.

            Num ponto inicial do argumento, Paulo trata da questão crucial: quem são os verdadeiros “filhos” de Abraão, a sua “semente” que herdará a promessa que inclui bênçãos dos gentios? A resposta final a essa questão é dada em 3:29: “aqueles que são de Cristo” são descendentes de Abraão (“semente”) e, portanto, não “herdeiros segundo a promessa”. Essa é a conclusão que é desenvolvida em 4.4-7. No processo de chegar até esse ponto, Paulo identifica Cristo como a verdadeira “semente” de Abraão, de modo que os que são “de Cristo”, por sua vez, são os verdadeiros descendentes de Abraão. A forma como Paulo chefa a essa conclusão necessita de uma certa análise. Perto do princípio do relato bíblico, Israel como um todo é identificado como o “filho” de Deus (Êx 4:22-23); num período posterior da história, o seu rei, que representa o povo é, da mesma forma, identificado como o “filho” de Deus (Sl 2.7). Assim, depois do (aparente) encerramento da dinastia davídica, o “Filho de Deus” se torna um símbolo messiânico. Nas narrativas dos evangelhos, o próprio Jesus assume esse papel como Rei messiânico, que se apropria da identidade de Israel e se torna o seu libertador, para que Ele, por sua vez, possa tornar o seu povo, mais uma vez, “os filhos de Deus”. Essa é a visão messiânica que está orientando Paulo em 3.6-4.7. Assim, já no início, ele segue nessa direção ao identifica Cristo como a “semente” (singular) de Abraão (3.16), que é, dessa forma, também o verdadeiro herdeiro da promessa (que, agora, está disponível para o povo de Deus, já que eles são “de Cristo”). Numa espécie de jogo de palavras com “semente”, um singular coletivo no grego, Paulo enfatiza o fato de ela estar no singular, e, portanto, (profeticamente) apontar para o futuro Messias. A promessa de Deus a Abraão era para a sua “semente” (por exemplo, Gn 13.15), e não “sementes”, e a “semente” messiânica é Cristo. Esta, portanto, é a Cristologia Messiânica do “Filho de Deus” que está por trás das afirmações conclusivas de 4.4-7.”[7]

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

BIBLIOGRAFIA:

AGOSTINHO, Santo, Bispo de Hipona. A Graça (II) / Santo Agostinho. São Paulo: Paulus, 1999.

CALVINO, João. Gálatas. São José dos Campos, SP: Editora Fiel. 2007

CARSON, D. A. / MOO, Douglas J. / MORRIS, Leon. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo, SP: Vida Nova, 1997.

FEE, Gordon D. Cristologia Paulina: um estudo exegético-teológico. Rio de Janeiro: CPAD, 2023.

GARDNER, Paul. Quem é quem na Bíblia Sagrada. São Paulo: Editora Vida, 2005.

GRUDEM, Wayne A. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1990.

GUTHRIE, Donald. Introdução e comentário de Gálatas. São Paulo, SP: Vida Nova, 1984.

HALE, Broadus David. Introdução ao estudo do Novo Testamento; São Paulo, SP: Hagnos, 2001.

HALLEY, Henry Hamptom. Manual Bíblico de Haley. São Paulo: Editora Vida, 2001.

HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento – Gálatas. São Paulo, SP: Cultura Cristã, 2019.

KELLER, Timothy. Gálatas o valor inestimável do evangelho. São Paulo: Vida Nova, 2015.

KELLER, Timothy. Gálatas para você. São Paulo: Vida Nova, 2015.

LADD, George Eldon. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2003.

LOPES, Hernandes Dias. Gálatas: A carta da liberdade cristã. São Paulo, SP: Hagnos, 2011.

LUTERO, Martinho. Martinho Lutero: obras selecionadas, v.10 – Interpretação do Novo Testamento – Gálatas – Tito. São Leopoldo: Sinodal, Canoas: ULBRA, Porto Alegre: Concórdia, 2008.

MacARTHUR, John. Comentário Bíblico MacArthur: desvendando a verdade de Deus, versículo a versículo. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2019.

MacGRATH, Alister. Teologia para amadores. São Paulo: Mundo Cristão, 2008.

NICODEMUS, Augustus. Livrem em Cristo – A mensagem de Gálatas para a igreja de hoje. São Paulo, SP: Vida Nova, 2016.

POHL, Adolf. Carta aos Gálatas: Comentário Esperança. Curitiba, PR: Editora Evangélica Esperança, 1999.

STOTT, John R.W. A mensagem de Gálatas: somente um caminho. São Paulo: ABU Editora, 2007.

WRIGHT, N.T. Gálatas: comentário para a formação cristã. Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2023.

 

 

 



[1] STOTT, John R.W. A mensagem de Gálatas: somente um caminho. São Paulo: ABU Editora, 2007, pg.76.

[2] HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento – Gálatas. São Paulo, SP: Cultura Cristã, 2019, pg.158.

[3] KELLER, Timothy. Gálatas para você. São Paulo: Vida Nova, 2015, pg. 79.

[4] GRUDEM, Wayne A. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1990, pg.605.

[5] GRUDEM, Wayne A. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1990, pg.604.

[6] STOTT, John R.W. A mensagem de Gálatas: somente um caminho. São Paulo: ABU Editora, 2007, pg.82.

[7] FEE, Gordon D. Cristologia Paulina: um estudo exegético-teológico. Rio de Janeiro: CPAD, 2023, pg. 221.

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