Projeto – “De bem com a Bíblia” – junho de 2024
Professor
– Roberto da Silva Meireles Rodrigues
Livro
– Gálatas.
19º AULA – A SEMENTE DE ABRAÃO.
“Cristo nos resgatou da
maldição da lei, tornando-se maldição em nosso favor, pois está escrito:
maldito todo aquele que for pendurado em um madeiro. Isso aconteceu para que a
bênção de Abraão chegasse aos gentios em Jesus Cristo, a fim de que
recebêssemos a promessa do Espírito pela fé. Irmãos, eu vos falarei em termos
humanos. Embora feito por um home, ninguém anula um testamento já validado, nem
lhe acrescenta coisa alguma. Assim, as promessas foram feitas a Abraão e a seus
descendentes, como se falasse de muitos, mas como quem se refere a um só: E a
teu descendente, que é Cristo.” (Gálatas 3:13-16)”
A
semelhança dos versos anteriores o apóstolo Paulo continua argumentar acerca da
justificação mediante a fé em Cristo Jesus. O apóstolo continua usando os
argumentos dos falsos mestres contra eles mesmos. Todavia, dessa vez ele usa
outro texto de Deuteronômio para seu argumento do sacrifício substitutivo de
Jesus Cristo na cruz do Calvário.
O
texto usado pelo apóstolo é o seguinte: “Se um homem tiver cometido um
pecado digno de morte, e for morto, e o tiveres pendurado num madeiro, seu
cadáver não passará toda a noite no madeiro, mas certamente o enterrarás no
mesmo dia; pois aquele que é pendurado foi amaldiçoado por Deus. Assim, não
contaminarás tua terra, que o Senhor, teu Deus, te dá como herança.”
(Deuteronômio 21:22-23)
“Todo
criminoso condenado à morte e executado sob legislação mosaica, geralmente por
apedrejamento, então colocado sob uma estaca, ou “pendurado em madeiro” como
símbolo da rejeição divina. O Dr. Cole diz que a citação não significa “que um
homem é amaldiçoado por Deus porque está pendurado no madeiro, mas que a morte
no madeiro era o sinal externo em Israel de um homem que fora amaldiçoado”. O
fato de os romanos executarem por crucificação e não por enforcamento não faz
diferença. Ser pregado em uma cruz era o equivalente a ser “pendurado em um
madeiro” (At 5:30; 1 Pe 2:24) e foi reconhecido como morto sob maldição divina.
Por isso é que, no princípio, os judeus não conseguiram crer que Jesus fosse o
Cristo. Como poderia Cristo, o ungido de Deus, em vez de reinar num trono, ser
pendurado no madeiro? Era incrível para eles. Talvez, como sugere o Bispo
Stephen Neill, quando se pregava a Cristo crucificado os judeus às vezes
gritassem: “Jesus é maldito!”, que é a terrível exclamação mencionada em 1
Coríntios 12:3.”[1]
Stott levanta uma indagação
interessante sobre esta questão. A indagação é a seguinte: “Será que isto
significa que todos foram redimidos da maldição da lei através da cruz de
Cristo, que levou o pecado e a maldição?” Ele mesmo responde essa indagação que
é feita de forma retórica dizendo que não, pois o verso 13 não pode ser lido e
entendido desassociado do verso 14 que diz: “Isso aconteceu para que a
bênção de Abraão chegasse aos gentios em Jesus Cristo, a fim de que recebesse a
promessa do Espírito pela fé.”
Nós
não somos salvos por apenas um ato realizado a milênios atrás por um homem que
para nós hoje se torna totalmente frio e distante. Mas, somos salvos pelo
Cristo vivo hoje que nos conecta a Ele de forma existencial, por isso estamos
n’Ele, a nossa experiência é em Cristo, somos salvos por estarmos n’Ele. Por
este motivo o apóstolo sempre expressa dizendo “em Cristo”. O sacrifício de
Jesus nos justifica quando estamos n’Ele mediante a fé.
“Sem
dúvida, é difícil imaginar o Cristo majestoso se tornando maldito. Como?! Jesus
anátema? Como nos atrevemos a dizer semelhante coisa à vista de 1 Coríntios
12.3? Isso fica ainda mais problemático quando se leva em conta que geralmente
– e corretamente – associamos a maldição com o pecado; Cristo, porém, não teve
pecado (Is 53.9; Jo 8.46; 2Co 5.21; 1Pe 2.22). A única solução é aquela
oferecida pelas preciosas palavras de Isaías 53.6: “mas o Senhor fez cair sobre
ele a iniquidade de nós todos”; cf. também os versículos 10-12. De modo que a
maldição de Cristo foi de caráter vicário (substitutivo): “Aquele que não
conheceu pecado, ele o fez pecado por nós: para que, nele, fôssemos feitos
justiça de Deus” (2Co 5.21). Esta verdade eminentemente bíblica da exposição
substitutiva de Cristo tem sido negada por muitos em nossos dias. Ela tem sido
chamada de “teologia do açougue”. No entanto, ela é ensinada não só aqui em
Gálatas 3.13, em linguagem inconfundível, ela é a doutrina de toda a Escritura
(Êx 12.13; Lv 1.4; 16.20-22; 17.11; Sl 40.6,7; 49.7,8; Is 53; Zc 13.1; Mt
20.28; 26;27,28; Mc 10.45; Lc 22.14, 23; Jo 1.29; 10.11, 14; At 20.28; Rm 3.24,
25; 8.3,4; 1Co 6.20; 7.23; 2Co 5.18-21; Gl 1.4; 2.20; Ef 1.7; 2.16; Cl 1.19-23;
Hb 9.22, 28; 1Pe 1.18, 19; 2.24; 3.18; 1Jo 1.7; 2.2; 4.10; Ap 5.9; 7.14).[2]
Timothy
Keller em seu comentário sobre estes versos diz o seguinte: “Por que é tão
importante entender isso? Porque revela a maravilhosa afirmação relacionada com
o que nos acontece quando cremos. Se Jesus “se tornou” um pecador por nós,
então nós, da mesma forma, nos tornamos justos. Se o fato de ele tomar para si
a maldição significa que foi considerado por Deus como um pecador, então o fato
de recebermos a bênção significa que somos considerados por Deus perfeitamente
justos e sem defeito. Salvação significa muito mais do que perdão. Não se trata
apenas de ter dívidas canceladas; também passamos a ser perfeitos aos olhos de
Deus. E assim permanecemos. Não começamos confiando na morte de Cristo, que o
transforma em maldição e nos abençoa, para depois seguirmos em frente “na
carne”, como se agora tivéssemos de fazer por merecer a bênção contínua.” [3]
Em
uma citação de John Muray em sua “Teologia Sistemática” – Wayne Grudem ressalta
a importância de entendermos a diferença entre as doutrinas da regeneração e
justificação. Diz John Muray: “Regeneração é um ato de Deus em nós,
justificação é um julgamento de Deus a nosso respeito. A distinção é como a
diferença entre o ato de um cirurgião e o ato de um juiz. O cirurgião, ao
remover um câncer interno, faz algo em nós. Isso não é o que um juiz faz – ele
dá um veredicto concernente à nossa condição judicial. Se somos inocentes ele o
declara de acordo com isso. A pureza do evangelho está em ligação estreita com
o reconhecimento dessa distinção. Se justificação for confundida com
regeneração ou com santificação, então a porta está aberta para a distorção do
evangelho em sua essência. A justificação ainda é o elemento sobre o qual a
igreja fica de é ou cai.” [4]
Grudem
vai conceituar justificação da seguinte forma: “Que é exatamente a
justificação? Podemos defini-la da seguinte maneira: justificação é um ato
instantâneo e legal da parte de Deus pelo qual ele (1) considera nossos pecados
perdoados e a justiça de Cristo como pertencente a nós e (2) declara-nos justos
à vista dele.”[5]
O
apóstolo mais uma vez usa de uma linguagem jurídica para ensinar acerca da sola
fides (somente pela fé), ou seja, a justificação pela fé. No entanto, o
apóstolo continua usando o argumento dos próprios mestres judaizantes contra
eles mesmos. Ele utiliza a promessa de Deus para Abraão para apresentar o plano
divino da salvação pela graça que vem do Antigo Testamento. É importante extrair
sua teologia entendendo a história e o raciocínio usado por Paulo em seu
argumento.
É
em um testamento que expressamos nosso desejo e vontades antes de nossa morte.
Vale lembrar que todo testamento só válido após a morte e que também só pode
ser anulado ou alterado enquanto em vida, após a morte ele fica impossibilitado
de ser ajustado ou até mesmo anulado.
Paulo
argumenta nos dois últimos versos de nossa análise exatamente isso. Na verdade,
ele deseja explicar que a promessa feita Abraão acerca de terra e de sua
descendência que iria ocupá-la, na verdade, era de uma perspectiva espiritual.
No verso 16 ele explica que Deus sempre disse “descendente” em algumas outras
traduções “semente”, e não “descendentes” ou “sementes”. Deixando claro que a
promessa de Deus feita a Abraão envolvia o seu descendente que possibilitaria um
lugar espiritual (a nova Canãa) aos que pela fé estiverem n’Ele.
Em
seu comentário Dr. John Stott explica isso: “A que promessa divina ele está
aludindo? Deus prometeu uma herança a Abraão e à sua posteridade. Paulo sabia
perfeitamente bem que a referência imediata e literal a essa promessa era à
terra de Canãa, que Deus iria dar aos descendentes físicos de Abraão. Mas ele
também sabia que isso não exauria o seu significado; nem era também essa a
referência final da mente de Deus. Realmente, talvez não fosse, pois Deus disse
que na descendência de Abraão seriam abençoadas todas as famílias da terra; e
como poderia o mundo inteiro ser abençoado através dos judeus que moravam na
terra de Canaã? Paulo percebeu que as duas coisas, a “terra” que foi prometida
e a “semente” a quem foi prometida, eram, em última análise, espirituais. O propósito
de Deus não era simplesmente dar a terra de Canaã aos judeus, mas, sim, dar a Salvação
(uma herança espiritual) aos crentes que estão em Cristo. Além disso, argumenta
Paulo, essa verdade estava implícita na palavra que Deus usou, que não foi o
plural “filhos” ou “descendentes”, mas o singular “semente” ou posteridade, um
substantivo coletivo referindo-se a Cristo e todos aqueles que estão em Cristo
pela fé (versículo 16). Essa era a promessa de Deus. Era livre e incondicional,
sem qualquer compromisso. Não havia obras a realizar, nem leis a obedecer, nem
méritos a estabelecer, nem condições a preencher. Deus simplesmente disse: “Eu
lhe darei uma semente. À sua semente eu darei a terra, e em sua semente toda as
famílias da terra serão abençoadas.” Sua promessa era como um testamento, que
dava livremente a herança a uma geração futura. E, tal como um testamento
humano, esta promessa divina é inalterável. Continua em vigor nos dias de hoje,
pois nunca fio rescindida. Deus não faz promessas a fim de quebra-las. Ele
nunca anula nem modifica a sua vontade.”[6]
O estudioso
do Novo Testamento Dr. Gordon D. Fee em sua obra “Cristologia Paulina” ressalta
que nesta fala de Paulo acima explicada acerca da promessa feita ao descendente
de Abraão ele ressalta o fator messiânico do título de Jesus como o “filho” de
Deus.
“Num
ponto inicial do argumento, Paulo trata da questão crucial: quem são os
verdadeiros “filhos” de Abraão, a sua “semente” que herdará a promessa que inclui
bênçãos dos gentios? A resposta final a essa questão é dada em 3:29: “aqueles
que são de Cristo” são descendentes de Abraão (“semente”) e, portanto, não “herdeiros
segundo a promessa”. Essa é a conclusão que é desenvolvida em 4.4-7. No processo
de chegar até esse ponto, Paulo identifica Cristo como a verdadeira “semente”
de Abraão, de modo que os que são “de Cristo”, por sua vez, são os verdadeiros
descendentes de Abraão. A forma como Paulo chefa a essa conclusão necessita de
uma certa análise. Perto do princípio do relato bíblico, Israel como um todo é
identificado como o “filho” de Deus (Êx 4:22-23); num período posterior da
história, o seu rei, que representa o povo é, da mesma forma, identificado como
o “filho” de Deus (Sl 2.7). Assim, depois do (aparente) encerramento da
dinastia davídica, o “Filho de Deus” se torna um símbolo messiânico. Nas
narrativas dos evangelhos, o próprio Jesus assume esse papel como Rei messiânico,
que se apropria da identidade de Israel e se torna o seu libertador, para que
Ele, por sua vez, possa tornar o seu povo, mais uma vez, “os filhos de Deus”.
Essa é a visão messiânica que está orientando Paulo em 3.6-4.7. Assim, já no
início, ele segue nessa direção ao identifica Cristo como a “semente”
(singular) de Abraão (3.16), que é, dessa forma, também o verdadeiro herdeiro
da promessa (que, agora, está disponível para o povo de Deus, já que eles são “de
Cristo”). Numa espécie de jogo de palavras com “semente”, um singular coletivo
no grego, Paulo enfatiza o fato de ela estar no singular, e, portanto,
(profeticamente) apontar para o futuro Messias. A promessa de Deus a Abraão era
para a sua “semente” (por exemplo, Gn 13.15), e não “sementes”, e a “semente” messiânica
é Cristo. Esta, portanto, é a Cristologia Messiânica do “Filho de Deus” que
está por trás das afirmações conclusivas de 4.4-7.”[7]
BIBLIOGRAFIA:
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Testamento. São Paulo, SP: Vida Nova, 1997.
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Rio de Janeiro: CPAD, 2023.
GARDNER, Paul. Quem é quem na Bíblia Sagrada. São Paulo: Editora
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Gálatas o valor inestimável do evangelho. São Paulo: Vida Nova, 2015.
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Gálatas – Tito. São Leopoldo: Sinodal, Canoas: ULBRA, Porto Alegre: Concórdia,
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Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2019.
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Livrem em Cristo – A mensagem de Gálatas para a igreja de hoje. São Paulo, SP:
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Carta aos Gálatas: Comentário Esperança. Curitiba, PR: Editora Evangélica
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Gálatas: comentário para a formação cristã. Rio de Janeiro: Thomas Nelson,
2023.
[1] STOTT, John R.W. A mensagem de Gálatas:
somente um caminho. São Paulo: ABU Editora, 2007, pg.76.
[2] HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo
Testamento – Gálatas. São Paulo, SP: Cultura Cristã, 2019, pg.158.
[3] KELLER,
Timothy. Gálatas para você. São Paulo: Vida Nova, 2015, pg. 79.
[4] GRUDEM, Wayne A. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1990,
pg.605.
[5] GRUDEM, Wayne A. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1990,
pg.604.
[6] STOTT, John R.W.
A mensagem de Gálatas: somente um caminho. São Paulo: ABU Editora, 2007, pg.82.
[7] FEE, Gordon D. Cristologia Paulina: um estudo exegético-teológico. Rio de Janeiro: CPAD,
2023, pg. 221.
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