Rio de Janeiro, 05 de novembro de 2025.
INSTITUTO BÍBLICO EFATÁ
MÓDULO DE TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA
7ª AULA – CRISTIANISMO ARRELIGIOSO:
DIETRICH BONHOEFFER
PROFESSOR – PR. ROBERTO DA SILVA
MEIRELES RODRIGUES
INTRODUÇÃO:
Dietrich
Bonhoeffer (1906–1945) ocupa um lugar singular na teologia do século XX. Pastor
luterano, teólogo sistemático e mártir do regime nazista, ele não apenas pensou
teologia em tempos de crise, mas viveu sua fé de modo coerente até o fim. Sua
reflexão amadureceu na prisão, em meio à resistência cristã ao totalitarismo, e
expressa uma das mais radicais reinterpretações do Evangelho frente à
modernidade secular. Miller e Grenz destacam que Bonhoeffer buscou “um
cristianismo livre das amarras da religião institucional”, propondo um
cristianismo arreligioso que não nega a fé, mas a liberta de formas culturais e
eclesiásticas que a distorcem.
A
teologia bonhoefferiana é uma crítica à religião entendida como refúgio ou
sistema humano de segurança diante de Deus. Ele vislumbra uma fé centrada
exclusivamente em Cristo, não mediada por estruturas de poder, linguagem sagrada
ou ritos esvaziados. Seu pensamento desafia a igreja a viver a realidade de
Deus no meio do mundo secular, numa profunda encarnação da fé cristã.
CONTEXTO HISTÓRICO E TEOLÓGICO:
Bonhoeffer
surge em meio à crise do cristianismo europeu do século XX, em um mundo que
havia “atingido a maioridade”. O Iluminismo e a modernidade produziram uma
consciência autônoma, que já não precisava de Deus como explicação para a
realidade. Miller e Grenz observam que Bonhoeffer interpretou esse fenômeno não
como um desastre espiritual, mas como um sinal de maturidade humana diante de
Deus. Essa ideia de “maioridade do mundo” aparece em suas Cartas e Papéis da
Prisão, nas quais o teólogo declara: “Deus nos chama a viver como homens que
alcançaram a maioridade, e por isso precisamos viver diante de Deus, mas sem
Deus como hipótese de trabalho”.
Influenciado
por Karl Barth, Bonhoeffer compartilha a centralidade cristológica e a ênfase
na revelação de Deus em Cristo. Contudo, vai além de Barth ao insistir que
Cristo está presente no mundo secular. Enquanto Barth via o mundo e a igreja
como esferas distintas mediadas pela Palavra, Bonhoeffer fala de uma fé
encarnada que não se refugia no sagrado. Sua formação luterana reforça esse
movimento: como Lutero, ele entende que Deus se revela no ordinário, no mundo,
e não apenas na igreja. Assim, sua teologia da encarnação se torna uma teologia
da presença de Cristo “para os outros”.
O CRISTIANISMO ARRELIGIOSO:
O
conceito central da reflexão de Bonhoeffer, conforme analisado por Miller e
Grenz, é o “cristianismo arreligioso”. Esse termo, muitas vezes mal
compreendido, não significa um cristianismo sem fé ou sem transcendência, mas
uma crítica à forma religiosa da fé — aquela que reduz o cristianismo a
práticas, dogmas e instituições. Para Bonhoeffer, a religião é uma construção
humana que busca “domesticar” Deus e garantir uma relação segura e previsível
com Ele. Em contrapartida, o Evangelho chama à entrega radical a Cristo, sem
garantias e sem apoio em estruturas religiosas.
Ele
escreve: “O homem religioso busca Deus nos limites do seu conhecimento e poder;
o cristão o encontra no centro da vida, na dor, no trabalho e na alegria”. Essa
inversão expressa sua convicção de que Deus não é o “deus-tampão” que preenche
as lacunas da ignorância humana — crítica dirigida à teologia liberal —, mas o
Deus que se encarna na realidade concreta. Assim, o cristianismo arreligioso é
uma fé madura, vivida no mundo, comprometida com o próximo e enraizada no
Cristo que se dá “para os outros”.
CRISTO COMO “O HOMEM PARA OS OUTROS”:
A
cristologia é o coração da teologia bonhoefferiana. Em Cristo, o centro,
Bonhoeffer afirma que “Cristo é aquele que está presente entre nós como aquele
que existe para os outros”. Miller e Grenz observam que essa definição de
Cristo sintetiza a dimensão ética, comunitária e encarnacional de sua fé. Ser
cristão, portanto, não é pertencer a uma instituição, mas participar do modo de
ser de Cristo — viver “para os outros”.
Essa
perspectiva nasce de sua compreensão da Igreja como comunidade (Gemeinde),
corpo visível de Cristo no mundo. A igreja não é um espaço sagrado isolado da
realidade, mas a forma visível de Cristo agindo na história. Daí o chamado de
Bonhoeffer à responsabilidade: a fé autêntica é ativa, política e ética. Foi
essa convicção que o levou à resistência contra Hitler e, finalmente, ao
martírio.
FÉ E SECULARIDADE: A PRESENÇA DE DEUS
NO MUNDO:
Bonhoeffer
não via a secularização como inimiga da fé, mas como uma oportunidade para
redescobrir o Evangelho. Miller e Grenz destacam que o teólogo enxergava no
mundo moderno uma libertação da “religiosidade infantil”, que esperava de Deus
soluções mágicas. A fé cristã, ao contrário, aprende a viver diante de Deus e
com Deus no meio da vida sem Deus — expressão paradoxal que indica a presença
oculta de Deus no mundo.
Bonhoeffer
propõe uma fé que se faz visível não pelo culto ou pelo dogma, mas pelo amor e
pela responsabilidade. Ele retoma o espírito de Tiago 2:17 — “a fé sem obras é
morta” — e o traduz em uma teologia da ação. Seu cristianismo arreligioso é,
portanto, uma forma madura de discipulado: seguir a Cristo em meio ao mundo
secular, sem a proteção da religião.
IMPLICAÇÕES TEOLÓGICAS CONTEMPORÂNEAS
O
pensamento de Bonhoeffer desafia a igreja do século XXI a repensar sua presença
pública. Em um mundo pós-cristão, sua teologia mostra que o Evangelho não
depende da relevância institucional da igreja, mas da autenticidade do
testemunho cristão. Viver a fé no “mundo sem religião” é recuperar a dimensão encarnacional
do cristianismo — o Deus que se faz carne continua atuando no mundo através de
uma comunidade que serve, sofre e ama.
Teologicamente,
Bonhoeffer nos chama a uma “cristologia da responsabilidade”, na qual o ser
cristão é inseparável do agir ético. Em diálogo com Paulo, podemos dizer que
ele encarna o sentido de Filipenses 2:5-8 — a kenosis de Cristo — como modelo
de vida cristã: o esvaziamento de si em favor do outro. E, em sintonia com
Lutero, ele reafirma a presença de Deus sub contrário — oculta no sofrimento e
no serviço, não no poder ou na glória.
CONCLUSÃO:
A
teologia do cristianismo arreligioso de Bonhoeffer permanece como um dos
legados mais provocativos do pensamento cristão moderno. Miller e Grenz a
apresentam não como uma negação da fé, mas como um apelo à sua purificação.
Bonhoeffer nos convida a abandonar um Deus de conveniência para redescobrir o
Deus vivo revelado em Cristo, que nos chama à maturidade, à responsabilidade e
ao amor.
O
cristianismo arreligioso é, portanto, a forma mais radical de discipulado:
viver diante de Deus sem os ídolos da religião, reconhecendo que Cristo é o
Senhor de todo o mundo e não apenas do espaço sagrado. É o chamado para uma fé
encarnada, que testemunha Deus no meio da história — uma fé que, como a do
próprio Bonhoeffer, permanece fiel mesmo diante da cruz.

Nenhum comentário:
Postar um comentário