Rio de Janeiro, 27 de
novembro de 2014.
Por
favor, permita-me ser humano!
Ontem aprouve ao Eterno chamar a sua
presença a irmã Gláucia Feitosa. Sua simples presença tornava nossa comunidade
mais dócil e feliz. Mulher de oração, excelente mãe e ótima amiga (testemunho
esse dado por sua filha e família no momento do velório).
Durante cerca de quatro anos convivi
com a irmã Gláucia. E, não somente com ela, mais com outras duas preciosidades
que o Eterno também levará a sua presença neste mesmo ano: Conceição no início
do ano, e Anair no meado deste ano. Confesso que alguns momentos são duros.
Quando assumo o púlpito para alguma
coisa inerente as minhas atribuições olho para o final do corredor a minha
esquerda e não vejo a Anair. Quando não ouço sua voz estridente ecoando por
nosso santuário ao dizer algo. Quando sei que nunca mais vou ganhar meu
saquinho de bala, bate a saudade.
Ao
olhar para as primeiras fileiras do corredor da frente e não poder mais ver a
Conceição. Ao saber que as reuniões de oração, de todas as segundas, em sua
casa não acontecem mais. Saber que não ouvirei mais sua doce voz dizendo que me
amava e estava orando por mim e pelos meus, bate a saudade.
Agora,
ainda terei que conviver com o fato de olhar o final do corredor central e não ver
mais a Gláucia. De chegar as terças no
jardim de oração e não mais ter sua presença e voz forte a ecoar pelos
corredores louvando com os hinos do cantor cristão, que ela tanto amava. Saber
que não mais ouvirei a sua voz, que não receberei mais seu carinho e palavras
de incentivo e oração – senti meu coração sangrar.
Como pastor dessas irmãs estive
presente em seus cultos de gratidão e em seus sepultamentos. Em cada um deles
trouxe algo da parte de Deus para os que estavam ali presentes. As três, eu acompanhei
até o último momento de vida. A Anair, por exemplo, me avisou de sua morte dizendo:
“Não voltaremos a nos ver. Vê se cuida dos seus e cuida da igreja que eu amo”.
Mas, uma coisa me chamou atenção. As
pessoas todos os dias me procuram pedindo-me conselho, orientação, oração,
palavra de conforto, enfim. Olham para mim como um referencial de vida. E fico
feliz que seja assim. Todavia, o referencial que sou jamais deve ultrapassar a
esfera de minha humanidade.
Após minha palavra hoje no culto de
ação de graças pela vida da Gláucia. Não me contive, o me derramei em lágrimas
ao Senhor, mesmo que timidamente, não querendo causar o que eu acabei causando.
Algumas pessoas próximas me olharam de modo estranho. Sim, com aquele olhar
dizendo: “Mas ele não é o pastor dela”?
Confesso do mais profundo de minha
alma que minha vontade foi lhes dizer: “É exatamente por este motivo que estou
chorando.” Pois só tem afetividade quem está próximo, e eu sou pastor. E dentro
de todas as minhas limitações de tempo e espaço, estive perto, o mais perto
possível. E assim, procuro estar presente na vida daqueles a quem Deus entregou
em minhas mãos.
Falei tudo isso para chegar ao ponto
central de meu texto, que é evidenciar que pastor é gente. Pastor é ser humano.
Pastor sangra, ama, chora, fica triste, deprimido, etc. Mas, na maioria das
vezes, passa por tudo em sua vida sozinho. Sem poder expressar o que sente no
mais profundo do seu coração com ninguém. Pois, afinal de contas: “Ele não é o
pastor?”
Mas ao contrário daqueles que tentam
se divinizar, eu quero me humanizar. Por favor, deixe-me ser humano. Sei quem
sou! Sou: pobre, pecador, falho, miserável, e muitas outras coisas normais
inerentes à raça humana. Também tenho problemas de família. Também tenho
problemas financeiros. Também tenho meus medos. Também tenho minhas mazelas
pessoais. Também sofro consequência de minhas escolhas erradas. Também sonho. Também
sou gente como qualquer outra gente que Deus criou. Todavia, com uma vocação a
exercer. Por este motivo lhe peço: Por favor, deixe-me ser humano!
Perdoe-me, se errei em algum
momento. Não permita que meu erro seja barreira entre nós. Não crie expectativas
sobre mim que jamais possa realiza-las. Por favor, sou ser humano. Não queira
me divinizar. Não crie em seu coração expectativas que não poderei supri-las. De
modo algum faça isso. Ok?
Termino esta abertura de coração com
as palavras do célebre escritor Henry Nouwen: “Minha necessidade de ter
amigos, afeição e aceitação estão exatamente aqui para que todos possam ver.
Jamais vivi tão profundamente a verdadeira natureza do ministério pastoral:
estar com o próximo em compaixão. O Ministério de Jesus é descrito na 'Carta
aos Hebreus' como sendo de solidariedade com o sofrimento humano. Chamar a mim
mesmo de padre, hoje, me desafia radicalmente a abandonar qualquer distância,
todo e qualquer pequeno pedestal e toda e qualquer posição de poder, e me
desafia a associar minha própria vulnerabilidade à daqueles com os quais vivo.
E que alegria isso traz! A alegria de pertencer, de fazer parte de algo, de não
ser diferente.”
Certo
de que Cristo me chama para ser humano e não divino:
Roberto
Meireles, pastor.
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