quinta-feira, 5 de setembro de 2024

26º AULA – PLENITUDE DOS TEMPOS – PARTE 4

 


Projeto – “De bem com a Bíblia” – setembro de 2024

Professor – Roberto da Silva Meireles Rodrigues

Livro – Gálatas.

26º AULA – PLENITUDE DOS TEMPOS – PARTE 4

“Vindo, porém, a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido da lei, para resgatar os que estavam debaixo da lei.” (Gálatas 4.4)”

“Como Jesus pode ser plenamente Deus e plenamente homem, e ainda assim uma pessoa?”

            Sempre foi um dos grandes desafios teológicos a tentativa de compreensão da junção de forma plena das duas naturezas da pessoa de Jesus. Na tentativa de tentar compreender essa doutrina diversos concílios foram convocados para que os grandes teólogos epocais debatessem sobre essa questão.

            Grudem conceitua a pessoa de Cristo da seguinte maneira: “Jesus Cristo foi plenamente Deus e plenamente homem em uma só pessoa e assim o será para sempre.”[1]

            Acredito que precisamos antes de mergulhar na doutrina da união hipostática (a união plena das duas naturezas de Jesus: humana e divina), precisamos primeiro nos certificar de que realmente Jesus foi plenamente homem e plenamente Deus, ou seja, analisar os aspectos bíblicos teológicos das duas naturezas encontradas na pessoa de Jesus.

            Tendo esclarecido a complexidade desta doutrina, iremos analisar separadamente as duas naturezas encontradas em Jesus. Iniciaremos hoje com a doutrina da encarnação que nos remete a questão de o divino ter se tornado um de nós, ou seja, homem.

A encarnação: divindade e humanidade na única pessoa de Cristo

O ensino bíblico sobre a plena divindade e plena humanidade de Cristo é tão amplo que se vem crendo em ambos desde os primeiros tempos da história da igreja. Mas um entendimento preciso de como a plena divindade e a plena humanidade poderiam ser combinadas em uma pessoa só foi formulado gradualmente na igreja e não chegou à forma final antes da Definição de Calcedônia em 451 d.C.

Três concepções inadequadas da pessoa de Cristo

a. O apolinarismo. Apolinário, que se tornou bispo em Laodicéia em cerca de 361 a.C., ensinava que a pessoa única de Cristo possuía um corpo humano, mas não uma mente ou um espírito humano, e que a mente e o espírito de Cristo provinham da natureza divina do Filho de Deus.

b. O nestorianismo. O nestorianismo é a doutrina de que havia duas pessoas distintas em Cristo, uma pessoa humana e outra divina, ensino diferente da idéia bíblica que vê Jesus como uma só pessoa.

c. O monofisismo (eutiquianismo). Uma terceira concepção inadequada é chamada monofisismo, a idéia de que Cristo possuía só uma natureza (gr. monos, “um”, e physis, “natureza”). O primeiro defensor dessa idéia na igreja primitiva foi Êutico (c. 378-454 d.C.), líder de um mosteiro em Constantinopla. Êutico ensinava o erro oposto do nestorianismo, pois negava que as naturezas humana e divina em Cristo permanecessem plenamente humana e plenamente divina.

A solução da controvérsia:

A definição de Calcedônia em 451 d.C.  Para tentar resolver os problemas levantados pelas controvérsias em torno da pessoa de Cristo, convocou-se um amplo concílio eclesiástico na cidade de Calcedônia, perto de Constantinopla (atual Istambul), realizado de 8 de outubro a 1.o de novembro de 451. A declaração resultante, chamada Definição de Calcedônia, previne contra o apolinarismo, o nestorianismo e o eutiquianismo. Ela tem sido tomada desde então como a definição padrão, ortodoxa, do ensino bíblico sobre a pessoa de Cristo igualmente pelos ramos católicos, protestantes e ortodoxos do cristianismo.

 

 

CREDO DE CALCEDÔNIA:

(...) Todos nós, perfeitamente unânimes, ensinamos que se deve confessar um só e mesmo Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, perfeito quanto à divindade, perfeito quanto à humanidade, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, constando de alma racional e de corpo; consubstancial [hommoysios] ao Pai, segundo a divindade, e consubstancial a nós, segundo a humanidade; “em todas as coisas semelhante a nós, excetuando o pecado”, gerado segundo a divindade antes dos séculos pelo Pai e, segundo a humanidade, por nós e para nossa salvação, gerado da Virgem Maria, mãe de Deus [Theotókos];

Um só e mesmo Cristo, Filho, Senhor, Unigênito, que se deve confessar, em duas naturezas, inconfundíveis e imutáveis, conseparáveis e indivisíveis;[1] a distinção das naturezas de modo algum é anulada pela união, mas, pelo contrário, as propriedades de cada natureza permanecem intactas, concorrendo para formar uma só pessoa e subsistência [hypóstasis]; não dividido ou separado em duas pessoas. Mas um só e mesmo Filho Unigênito, Deus Verbo, Jesus Cristo Senhor; conforme os profetas outrora a seu respeito testemunharam, e o mesmo Jesus Cristo nos ensinou e o credo dos padres nos transmitiu.

 

Agrupamento de textos bíblicos específicos sobre a divindade e a humanidade de Cristo.

Quando examinamos o Novo Testamento, conforme fizemos acima nas seções sobre a humanidade e a divindade de Jesus, há algumas passagens que parecem difíceis de encaixar. (Como Jesus podia ser onipotente e ainda assim fraco? Como podia deixar o mundo e ainda estar presente em todos os lugares? Como podia aprender coisas e ainda ser onisciente?)

a. Uma natureza faz algumas coisas que a outra não faz. Teólogos evangélicos de gerações anteriores não hesitaram em fazer distinção entre coisas feitas pela natureza humana de Cristo, mas não pela natureza divina, ou pela natureza divina, mas não pela humana. Parece que temos de fazer isso se quisermos reafirmar a declaração de Calcedônia de que “é preservada a propriedade de cada natureza”. Mas poucos teólogos recentes dispõem-se a fazer tal distinção, talvez por causa de uma hesitação em afirmar algo que não conseguimos compreender.

b. Tudo o que uma das naturezas faz, a pessoa de Cristo faz. Na seção anterior mencionamos uma série de coisas feitas por uma natureza, mas não pela outra na pessoa de Cristo. Agora precisamos afirmar que tudo o que diz respeito à natureza humana ou divina de Cristo diz respeito à pessoa de Cristo. Assim Jesus pode dizer: “antes que Abraão existisse, eu sou” (Jo 8.58). Ele não diz: “Antes que Abraão existisse, minha natureza humana existia”, porque ele é livre para falar de qualquer coisa feita só por sua natureza divina ou só por sua natureza humana como algo feito por ele.

c. Títulos que nos lembram de uma natureza podem ser empregados em referência à pessoa, mesmo quando a ação é realizada pela outra natureza. Os autores do Novo Testamento às vezes empregam títulos que nos lembram ou da natureza humana ou da natureza divina para falar da pessoa de Cristo, ainda que a ação mencionada possa ter sido realizada apenas pela outra natureza e não pela que pareça estar implicada no título. Por exemplo, Paulo diz que se os governantes deste mundo tivessem compreendido a sabedoria de Deus, “jamais teriam crucificado o Senhor da glória” (1Co 2.8).

d. Uma breve frase de resumo. Às vezes no estudo da teologia sistemática, a seguinte frase tem sido empregada para resumir a encarnação: “Permanecendo o que era, tornou-se o que não era”. Em outras palavras, enquanto Jesus “permanecia” o que era (ou seja, plenamente divino), ele também se tornou o que não fora antes (ou seja, também plenamente humano). Jesus não deixou nada de sua divindade quando se tornou homem, mas assumiu a humanidade que antes não lhe pertencia.

e. A “comunicação” de atributos. Depois de decidirmos que Jesus era plenamente homem e plenamente Deus, e que sua natureza humana permaneceu plenamente humana e sua natureza divina permaneceu plenamente divina, podemos ainda perguntar se algumas qualidades ou capacidades foram dadas (ou “comunicadas”) de uma natureza a outra. Parece que a resposta é sim.

(1) Da natureza divina para a natureza humana

Ainda que a natureza humana de Jesus não tenha mudado em seu caráter essencial, porque ela foi unida à natureza divina na pessoa única de Cristo, a natureza humana de Jesus obteve (a) dignidade para ser cultuada e (b) incapacidade de pecar, elementos que não pertencem, de outra maneira, aos seres humanos.

(2) Da natureza humana para a natureza divina

A natureza humana de Jesus lhe deu (a) a capacidade de experimentar o sofrimento e a morte; (b) a capacidade de ser nosso sacrifício substitutivo, o que Jesus, só como Deus, não poderia ter feito.

f. Conclusão. Ao final desta longa discussão, pode-nos ser fácil perder de vista o que de fato é ensinado nas Escrituras. Trata-se, de longe, do milagre mais maravilhoso de toda a Bíblia — muito mais maravilhoso que a ressurreição e até que a criação do universo. O fato de o Filho de Deus, infinito, onipresente e eterno tornar-se homem e unir-se para sempre a uma natureza humana, de modo que o Deus infinito se tornasse uma só pessoa com o homem finito, permanecerá pela eternidade como o mais profundo milagre e o mais profundo mistério em todo o universo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

BIBLIOGRAFIA:

AGOSTINHO, Santo, Bispo de Hipona. A Graça (II) / Santo Agostinho. São Paulo: Paulus, 1999.

CALVINO, João. Gálatas. São José dos Campos, SP: Editora Fiel. 2007

CARSON, D. A. / MOO, Douglas J. / MORRIS, Leon. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo, SP: Vida Nova, 1997.

CAIRNS, Earle E. Cristianismo através dos séculos: uma história da igreja cristã. São Paulo: Vida Nova, 2008.

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GARDNER, Paul. Quem é quem na Bíblia Sagrada. São Paulo: Editora Vida, 2005.

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HURLBUT, Jesse Lyman. História da Igreja Cristã. São Paulo: Vida, 2ª edição, 2007. Págs. 303.

KELLER, Timothy. Gálatas o valor inestimável do evangelho. São Paulo: Vida Nova, 2015.

KELLER, Timothy. Gálatas para você. São Paulo: Vida Nova, 2015.

LADD, George Eldon. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2003.

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MacARTHUR, John. Comentário Bíblico MacArthur: desvendando a verdade de Deus, versículo a versículo. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2019.

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[1] GRUDEM, Wayne A. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1990, pg. 435.

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