Projeto – “De bem com a Bíblia” – setembro de 2024
Professor
– Roberto da Silva Meireles Rodrigues
Livro
– Gálatas.
26º AULA – PLENITUDE DOS TEMPOS –
PARTE 4
“Vindo, porém, a
plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido da lei,
para resgatar os que estavam debaixo da lei.” (Gálatas 4.4)”
“Como Jesus pode ser plenamente Deus
e plenamente homem, e ainda assim uma pessoa?”
Sempre
foi um dos grandes desafios teológicos a tentativa de compreensão da junção de
forma plena das duas naturezas da pessoa de Jesus. Na tentativa de tentar
compreender essa doutrina diversos concílios foram convocados para que os
grandes teólogos epocais debatessem sobre essa questão.
Grudem
conceitua a pessoa de Cristo da seguinte maneira: “Jesus Cristo foi plenamente
Deus e plenamente homem em uma só pessoa e assim o será para sempre.”[1]
Acredito
que precisamos antes de mergulhar na doutrina da união hipostática (a união
plena das duas naturezas de Jesus: humana e divina), precisamos primeiro nos
certificar de que realmente Jesus foi plenamente homem e plenamente Deus, ou
seja, analisar os aspectos bíblicos teológicos das duas naturezas encontradas
na pessoa de Jesus.
Tendo
esclarecido a complexidade desta doutrina, iremos analisar separadamente as
duas naturezas encontradas em Jesus. Iniciaremos hoje com a doutrina da
encarnação que nos remete a questão de o divino ter se tornado um de nós, ou
seja, homem.
A encarnação: divindade e humanidade na única pessoa de Cristo
O ensino bíblico sobre a plena divindade e plena
humanidade de Cristo é tão amplo que se vem crendo em ambos desde os primeiros
tempos da história da igreja. Mas um entendimento preciso de como a plena
divindade e a plena humanidade poderiam ser combinadas em uma pessoa só foi
formulado gradualmente na igreja e não chegou à forma final antes da Definição
de Calcedônia em 451 d.C.
Três concepções inadequadas da pessoa de
Cristo
a. O apolinarismo. Apolinário, que se tornou
bispo em Laodicéia em cerca de 361 a.C., ensinava que a pessoa única de Cristo
possuía um corpo humano, mas não uma mente ou um espírito humano, e que a mente
e o espírito de Cristo provinham da natureza divina do Filho de Deus.
b. O nestorianismo. O nestorianismo é a
doutrina de que havia duas pessoas distintas em Cristo, uma pessoa humana e
outra divina, ensino diferente da idéia bíblica que vê Jesus como uma só
pessoa.
c. O monofisismo (eutiquianismo). Uma terceira
concepção inadequada é chamada monofisismo,
a idéia de que Cristo possuía só uma natureza (gr. monos, “um”, e physis,
“natureza”). O primeiro defensor dessa idéia na igreja primitiva foi Êutico (c.
378-454 d.C.), líder de um mosteiro em Constantinopla. Êutico ensinava o erro
oposto do nestorianismo, pois negava que as naturezas humana e divina em Cristo
permanecessem plenamente humana e plenamente divina.
A solução da controvérsia:
A definição
de Calcedônia em 451 d.C. Para tentar
resolver os problemas levantados pelas controvérsias em torno da pessoa de
Cristo, convocou-se um amplo concílio eclesiástico na cidade de Calcedônia,
perto de Constantinopla (atual Istambul), realizado de 8 de outubro a 1.o de novembro de 451. A declaração resultante,
chamada Definição de Calcedônia, previne contra o apolinarismo, o nestorianismo
e o eutiquianismo. Ela tem sido tomada desde então como a definição padrão,
ortodoxa, do ensino bíblico sobre a pessoa de Cristo igualmente pelos ramos
católicos, protestantes e ortodoxos do cristianismo.
CREDO DE
CALCEDÔNIA:
(...) Todos nós,
perfeitamente unânimes, ensinamos que se deve confessar um só e mesmo Filho,
nosso Senhor Jesus Cristo, perfeito quanto à divindade, perfeito quanto à
humanidade, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, constando de alma racional e de
corpo; consubstancial [hommoysios] ao Pai, segundo a divindade, e
consubstancial a nós, segundo a humanidade; “em todas as coisas semelhante a
nós, excetuando o pecado”, gerado segundo a divindade antes dos séculos pelo
Pai e, segundo a humanidade, por nós e para nossa salvação, gerado da Virgem
Maria, mãe de Deus [Theotókos];
Um só e mesmo
Cristo, Filho, Senhor, Unigênito, que se deve confessar, em duas naturezas,
inconfundíveis e imutáveis, conseparáveis e indivisíveis;[1] a distinção das
naturezas de modo algum é anulada pela união, mas, pelo contrário, as
propriedades de cada natureza permanecem intactas, concorrendo para formar uma
só pessoa e subsistência [hypóstasis]; não dividido ou separado em duas
pessoas. Mas um só e mesmo Filho Unigênito, Deus Verbo, Jesus Cristo Senhor;
conforme os profetas outrora a seu respeito testemunharam, e o mesmo Jesus
Cristo nos ensinou e o credo dos padres nos transmitiu.
Agrupamento
de textos bíblicos específicos sobre a divindade e a humanidade de Cristo.
Quando examinamos o Novo
Testamento, conforme fizemos acima nas seções sobre a humanidade e a divindade
de Jesus, há algumas passagens que parecem difíceis de encaixar. (Como Jesus
podia ser onipotente e ainda assim fraco? Como podia deixar o mundo e ainda
estar presente em todos os lugares? Como podia aprender coisas e ainda ser
onisciente?)
a. Uma natureza faz
algumas coisas que a outra não faz. Teólogos evangélicos de gerações
anteriores não hesitaram em fazer distinção entre coisas feitas pela natureza
humana de Cristo, mas não pela natureza divina, ou pela natureza divina, mas
não pela humana. Parece que temos de fazer isso se quisermos reafirmar a
declaração de Calcedônia de que “é
preservada a propriedade de cada natureza”. Mas poucos teólogos recentes
dispõem-se a fazer tal distinção, talvez por causa de uma hesitação em afirmar
algo que não conseguimos compreender.
b. Tudo o que uma das
naturezas faz, a pessoa de Cristo faz. Na seção anterior mencionamos uma
série de coisas feitas por uma natureza, mas não pela outra na pessoa de
Cristo. Agora precisamos afirmar que tudo o que diz respeito à natureza humana
ou divina de Cristo diz respeito à pessoa de Cristo. Assim Jesus pode dizer:
“antes que Abraão existisse, eu sou”
(Jo 8.58). Ele não diz: “Antes que Abraão existisse, minha natureza humana
existia”, porque ele é livre para falar de qualquer coisa feita só por sua natureza
divina ou só por sua natureza humana como algo feito por ele.
c. Títulos que nos
lembram de uma natureza podem ser empregados em referência à pessoa, mesmo
quando a ação é realizada pela outra natureza. Os autores do Novo
Testamento às vezes empregam títulos que nos lembram ou da natureza humana ou
da natureza divina para falar da pessoa de Cristo, ainda que a ação mencionada
possa ter sido realizada apenas pela outra natureza e não pela que pareça estar
implicada no título. Por exemplo, Paulo diz que se os governantes deste mundo
tivessem compreendido a sabedoria de Deus, “jamais teriam crucificado o Senhor da glória” (1Co 2.8).
d. Uma breve frase de
resumo. Às vezes no estudo da teologia sistemática, a seguinte frase tem
sido empregada para resumir a encarnação: “Permanecendo o que era, tornou-se o
que não era”. Em outras palavras, enquanto Jesus “permanecia” o que era (ou
seja, plenamente divino), ele também se tornou o que não fora antes (ou seja,
também plenamente humano). Jesus não deixou nada de sua divindade quando se
tornou homem, mas assumiu a humanidade que antes não lhe pertencia.
e. A “comunicação” de
atributos. Depois de decidirmos que Jesus era plenamente homem e plenamente
Deus, e que sua natureza humana permaneceu plenamente
humana e sua natureza divina permaneceu plenamente
divina, podemos ainda perguntar se algumas qualidades ou capacidades foram
dadas (ou “comunicadas”) de uma natureza a outra. Parece que a resposta é sim.
(1) Da natureza divina para a natureza humana
Ainda que a natureza
humana de Jesus não tenha mudado em seu caráter essencial, porque ela foi unida
à natureza divina na pessoa única de Cristo, a natureza humana de Jesus obteve
(a) dignidade para ser cultuada e (b) incapacidade de pecar, elementos que não
pertencem, de outra maneira, aos seres humanos.
(2) Da natureza humana para a natureza divina
A natureza humana de
Jesus lhe deu (a) a capacidade de experimentar o sofrimento e a morte; (b) a
capacidade de ser nosso sacrifício substitutivo, o que Jesus, só como Deus, não
poderia ter feito.
f. Conclusão. Ao
final desta longa discussão, pode-nos ser fácil perder de vista o que de fato é
ensinado nas Escrituras. Trata-se, de longe, do milagre mais maravilhoso de
toda a Bíblia — muito mais maravilhoso que a ressurreição e até que a criação
do universo. O fato de o Filho de Deus, infinito, onipresente e eterno
tornar-se homem e unir-se para sempre a uma natureza humana, de modo que o Deus
infinito se tornasse uma só pessoa com o homem finito, permanecerá pela
eternidade como o mais profundo milagre e o mais profundo mistério em todo o
universo.
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