sábado, 21 de junho de 2025

4º Capítulo - Os primeiros conflitos com o estado e a perseguição do segundo século

 


4º Capítulo – Os primeiros conflitos com o estado e a perseguição do século segundo.

2. A PERSEGUIÇÃO DO SÉCULO SEGUNDO:

“Estou começando a ser discípulo... o fogo e a cruz, multidões de feras, ossos quebrados (…) tudo hei de aceitar, contanto que eu alcance a Jesus Cristo.

(Inácio de Antioquia)

            O primeiro século deu início as perseguições sobre a igreja. Já nas primeiras perseguições observamos em nossas pesquisas o martírio de muitos irmãos que haviam entregues suas vidas ao Senhorio de Jesus.     

            Porém com o passar dos anos os martírios foram aumentando. E o que mais nos detalha sobre este fato são documentos que podemos encontrar no século segundo que narram muitos destes episódios sombrios da espécie humana.

            Um destes documentos ficou conhecido como a “ata dos mártires”. Eram descrições que continham detalhes sobre as prisões, encarceramento, julgamento do mártir e sua morte. Algumas atas são tão detalhistas que parecem terem sido copiadas do próprio processo penal. Outras parecem terem sido escritas após a morte dos mártires. Mas estas atas são um dos mais valiosos documentos da igreja cristã.

            Existem também outros documentos escritos por cristãos que de alguma forma possuem relacionamento com os martírios e as perseguições. Um bom exemplo deste aspecto são as sete cartas escritas por Inácio de Antioquia a caminho do martírio. Outro bom exemplo é encontrado em correspondências entre os governantes, ou de governantes com pessoas ligadas a eles por algum motivo. Nestes documentos nós encontramos as atitudes dos pagãos para com os cristãos, e mais especificamente a atitude de seus governantes. Uma citação que podemos fazer é a correspondência de Plínio, o Jovem e o imperador Trajano.

2.1. A correspondência de Plínio, o Jovem e o imperador Trajano.

            Plínio Segundo, o Jovem, foi governador da Bitínia, atualmente hoje chamada de Turquia. Ele foi nomeado em 111 d.C.  As fontes históricas irão dizer que Plínio era um homem justo, cumpridor das leis e das tradições romanas. Logo que assumiu sua posição governamental. Plínio recebeu uma lista de acusações contra alguns cristãos que residiam em sua cidade. Por sua falta de experiência, intentou fazer uma pesquisa em como proceder para a realização do julgamento dos mesmos. É então que ele escreve a carta ao imperador Trajano.

            A sua carta a Trajano nos traz alguns detalhes muito interessantes. Por exemplo parece que existiam um número consideráveis de cristãos. A citação que consta este assunto é a seguinte: “o contágio desta superstição penetrou, não só nas cidades, mas também nos povoados e nos campos”.[1]

             Em seus primeiros julgamentos Plínio começou a chamar os primeiros cristãos. Ele os pressionava a negarem a Cristo. Aqueles que negavam, ou diziam que já haviam abandonado sua fé. Ele exigia dos mesmos que invocassem aos deuses, que adorassem ao imperador e que maldissessem a Cristo. Quem realizava tais procedimentos, era posto em liberdade. Ele diz exatamente isso a Trajano neste trecho: “é impossível obrigar aos verdadeiros cristãos fazerem estas cousas”.[2]

            Aos que se recusavam a negar sua fé. O imperador sentenciava-os a morte. Não com a acusação de serem cristãos, mas sim com a acusação de obstinação e desobediência ante ao representante do imperador.

            González relata em seu livro as acusações que os cristãos recebiam. Diz ele:

“Tanto uns como outros, contaram ao governador o mesmo testemunho: Seu crime consistia em se reunir para cantar antifonalmente hino: “a Cristo como Deus”, para fazer voto de não cometer roubos, adultérios ou outros pecados e para uma refeição em que não se fazia cousa alguma contrária a lei e aos bons costumes. Já que algum tempo antes, seguindo as ordens do imperador, Plínio havia proibido as reuniões secretas, os cristãos já não se reuniam como antes. Perplexo diante de tais informações, Plínio fez torturar duas escravas que eram ministras da igreja; mas ambas as mulheres confirmaram o que os demais cristãos haviam dito. Tudo isto representava ao governador um problema difícil de justiça e jurisprudência: devia castigar aos cristãos só por levarem esse nome, ou era necessário provar algum crime?”[3]

            A resposta do imperador a Plínio era que cada caso era um caso. Que o mesmo não deveria gastar suas forças em buscar a saber das acusações. Mas que só tomasse partido das mesmas se chegassem ao seu conhecimento por acusações de testemunhas existentes. Diante dos fatos é que ele deveria analisar se era realmente verídico que se recusavam a adorar aos deuses.

            Tertuliano, o advogado cristão, cem anos depois com este pensamento ainda vigente vai tecer o seguinte comentário: “Oh! Sentença necessariamente confusa! Nega-se a buscá-los como a inocentes; e manda castigá-los como culpados. Tens misericórdia e és severa; dissimulas e castigas. Como evitas então censurar-te a ti mesma? Se condenas, por que não investigas? E se não investigas, por quê não absolves? (Apologia 2)[4]

            Por mais que a resposta de Trajano não tivesse sentido lógico. Havia o sentido político. Ele sabia que Plínio tinha razão em suas indagações. Os cristãos não representavam nenhum perigo ao estado. Porém, quando acusados com testemunhas de não adorarem ao imperador. Isso poderia enfraquecer o poder do Estado e aos poucos minar o poder do imperador. Até porque uma das coisas que mantinha o império unificado era o culto ao imperador. O poder da religião exerce uma grande influência com toda certeza.

            Essa política de Trajano perdurou por todo o segundo século e por uma boa parte do terceiro século também. Podemos encontrar esta filosofia permeada nas sete cartas de Inácio de Antioquia.

2.2. Inácio de Antioquia: o portador de Deus.

            No ano 107 d.C., o bispo de Antioquia, Inácio, fora condenado à morte por ter se recusado a adorar aos deuses do império. Roma nestas circunstâncias estava em festa. Devido a vitória sobre os dácio. Inácio fora levado a Roma para ser um dos espetáculos destas comemorações. Em seu trajeto ao martírio ele escreveu as sete cartas, um dos domingos mais preciosos da história da igreja cristã.

            Inácio nasceu entre os anos 30 e 35 d.C., isso nos dá a dimensão que quando selou o seu martírio já era um ancião. Em suas cartas ele mesmo se intitula o “Portador de Deus”, o que denota o respeito e autoridade que o mesmo desfrutava diante da comunidade cristã. Mais tarde com algumas pequenas mudanças literárias em seu texto ficou sendo chamado como, “levado por Deus”, daí surgiu a lenda de que ele era o menino que Jesus havia colocado em seu colo quando as pessoas o rodeavam. (Marcos 10:13-15). Inácio também desfrutava do respeito de ser no início do segundo século o segundo bispo de maior influência, haja vista que sua comunidade cristã era a segunda comunidade cristã mais antiga.

            Em sua peregrinação a Roma, o velho bispo e os soldados que o acompanhavam passaram pela Ásia Menor, nestas passagens, muitos cristãos procuravam estar com Inácio, e foram nestas visitas que surgiram a maioria do conteúdo das literaturas de Inácio.

            Inácio ficou sabendo do plano de alguns irmãos de o resgatarem então pediu que desistissem do plano. Pois eles poderiam estar atrapalhando os desígnios de Deus. Diz ele em sua carta: “Temo vossa bondade, que pode me causar dano. Pois vós podeis fazer com facilidade o que projetais; mas se vós não prestardes atenção ao que vos peço, ser-me-á, muito difícil alcançar a Deus (Romanos 1.2).”[5]

            Inácio não queria ser reconhecido por seu sacrifício. Mas sua intenção era ser um imitador autêntico de seu Senhor. Que havia pagado com sua própria vida. Outras frases marcaram a carreira cristã de Inácio são elas:

Sou trigo de Deus, e os dentes das feras hão de me moer, para que possa ser oferecido como pão limpo de Cristo”.[6]

“Meu amor está crucificado (…) Não me agrada mais a comida corruptível, (…) mas quero o Plano de Deus, que é a carne de Jesus Cristo (…) e seu seu sangue quero beber, que é bebida imperecível”.

“quando eu sofrer, serei livre em Jesus Cristo, e com ele ressuscitarei em liberdade”.

            Inácio segundo a tradição morreu em Roma ao ser jogado aos famintos leões. Algum tempo depois Policarpo bispo de Esmirna escreveu aos crentes de Filipo perguntas sobre a sorte do companheiro. Porém não encontramos em nenhum documento histórico respostas a suas indagações.

2.3. O martírio de Policapo.

            Em meio ao ano de 155 d.C., ainda estava valendo a política apresentada a Trajano ao seu governador Plínio. Este por sua vez.  Policarpo era bispo de Esmirna, quando se iniciou, uma série de acusações contra os membros de sua igreja. Os relatos eram que os cristãos eram submetidos as torturas mais bárbaras, mas não negavam a Cristo.

            Foi quando chamaram um ancião chamado Germânico a presença do juiz. E este não negou a sua fé. Quando o juiz incitou a multidão contra o ancião o mesmo não negou a sua fé, e começou a ser chamado de Ateu, por acreditava em um Deus invisível e um Deus apenas. Mas acrescentaram ao fato de chamarem-no de Ateu o pedido de trazer Policarpo diante do tribunal. Haja vista que ele era o líder do movimento naquela região.

            Quando Policarpo soube da situação, fugiu. Ainda por umas três vezes trocou sua localização. Pois alguns se rendiam ao império e deduravam ao bispo. Porém em uma dessas ocasiões Policarpo decidiu não mais fugir e foi capturado e levado ao juiz.

            Diante do juiz, Policarpo foi orientado a negar sua fé. Sendo pressionado pelo inqueridor e também pela multidão a sua volta. Porém o mesmo deu a seguinte resposta ao juiz:

Vivi oitenta anos e seis anos servindo-lhe, e nenhum mal me fez. Como poderia eu maldizer ao meu rei, que me salvou?”[7]

            O juiz ainda insistiu. Pediu que Policarpo apresentasse a multidão sua defesa contra as acusações. O bispo, porém, disse que a mesma não era digna de ouvir tal coisa. O juiz então o ameaçou com as feras, com fogo, e com muitos outros tipos de tortura. Porém, o experiente ancião respondeu que o fogo que o juiz acenderia só poderia durar um tempo. Mas o mesmo não se compararia ao fato de passar a eternidade em sofrimento continuo, por um fogo que jamais se apagaria.

            Com isso o bispo de Esmirna fora queimado vivo, mas antes de morrer elevou seus olhos aos céus e orou dizendo: “Senhor Deus Soberano (…) dou-te graças, porque me consideraste digno deste momento, para que, junto aos teus mártires, eu possa ser parte no cálice de Cristo. (…) Por isso te bendigo e te glorifico (…) Amém.”[8]

 

2.4. A perseguição sob Marco Aurélio

            Marco Aurélio no ano de 161 d.C., assumiu o império. O mesmo fora adotado anos antes por seu predecessor, Antônio Pio. Diferente de Nero e Domiciano, Marco Aurélio ficou conhecido por sua erudição e conhecimento. Seu espírito culto e erudito o levaram a construir em seus pensamentos uma coleção de escritos pessoais, que levou o nome de “Meditações”.

            Ao contrário do se que se podia imaginar acerca da relação deste refinado imperador a os cristãos, ele desencadeou sobre a igreja do Senhor Jesus uma terrível perseguição. Nos primeiros anos do reinado de Marco Aurélio o povo sofreu inúmeras tragédias: invasões, inundações, epidemias e etc., logo começou um boato que a culpa de todas estas coisas era dos cristãos. Então Marco Aurélio desencadeou uma enorme perseguição aos mesmos os culpando por tais fatos.

            Entre os mártires que mais ganharam fama estão Felicidade uma viúva, Justino o Mártir e Blandina.

2.5. Até o fim do século segundo.

            Marco Aurélio morreu no de 180 d.C., e seu sucessor foi Cômodo. Que governou em um período muito tumultuado por guerras civis, o que para os cristãos resultou em uma relativa paz, mesmo ainda existindo casos de martírios esporádicos.

            No século segundo a igreja sofreu forte perseguição. Mesmo que essa não se desse em toda a extensão territorial do império romano.

 



[1]    GONZÁLEZ, Justo. A era dos mártires: uma história ilustrada do cristianismo. São Paulo: Vida Nova, 1995. Pág. 62.

[2]    GONZÁLEZ, Justo. A era dos mártires: uma história ilustrada do cristianismo. São Paulo: Vida Nova, 1995. Pág. 63.

[3]    GONZÁLEZ, Justo. A era dos mártires: uma história ilustrada do cristianismo. São Paulo: Vida Nova, 1995. Pág. 64.

[4]    GONZÁLEZ, Justo. A era dos mártires: uma história ilustrada do cristianismo. São Paulo: Vida Nova, 1995. Pág. 64.

[5]    GONZÁLEZ, Justo. A era dos mártires: uma história ilustrada do cristianismo. São Paulo: Vida Nova, 1995. Pág. 68.

[6]  GONZÁLEZ, Justo. A era dos mártires: uma história ilustrada do cristianismo. São Paulo: Vida Nova, 1995. Pág. 68.

[7]  GONZÁLEZ, Justo. A era dos mártires: uma história ilustrada do cristianismo. São Paulo: Vida Nova, 1995. Pág. 70.

[8]    GONZÁLEZ, Justo. A era dos mártires: uma história ilustrada do cristianismo. São Paulo: Vida Nova, 1995. Pág. 72.

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