4º Capítulo – Os primeiros conflitos com o estado e a perseguição do século segundo.
2. A PERSEGUIÇÃO DO SÉCULO SEGUNDO:
“Estou começando a ser discípulo... o fogo e a
cruz, multidões de feras, ossos quebrados (…) tudo hei de aceitar, contanto que
eu alcance a Jesus Cristo.
(Inácio de Antioquia)
O
primeiro século deu início as perseguições sobre a igreja. Já nas primeiras
perseguições observamos em nossas pesquisas o martírio de muitos irmãos que
haviam entregues suas vidas ao Senhorio de Jesus.
Porém
com o passar dos anos os martírios foram aumentando. E o que mais nos detalha
sobre este fato são documentos que podemos encontrar no século segundo que
narram muitos destes episódios sombrios da espécie humana.
Um
destes documentos ficou conhecido como a “ata dos mártires”. Eram descrições
que continham detalhes sobre as prisões, encarceramento, julgamento do mártir e
sua morte. Algumas atas são tão detalhistas que parecem terem sido copiadas do
próprio processo penal. Outras parecem terem sido escritas após a morte dos
mártires. Mas estas atas são um dos mais valiosos documentos da igreja cristã.
Existem
também outros documentos escritos por cristãos que de alguma forma possuem
relacionamento com os martírios e as perseguições. Um bom exemplo deste aspecto
são as sete cartas escritas por Inácio de Antioquia a caminho do martírio.
Outro bom exemplo é encontrado em correspondências entre os governantes, ou de
governantes com pessoas ligadas a eles por algum motivo. Nestes documentos nós
encontramos as atitudes dos pagãos para com os cristãos, e mais especificamente
a atitude de seus governantes. Uma citação que podemos fazer é a
correspondência de Plínio, o Jovem e o imperador Trajano.
2.1. A correspondência de Plínio, o Jovem e o
imperador Trajano.
Plínio
Segundo, o Jovem, foi governador da Bitínia, atualmente hoje chamada de
Turquia. Ele foi nomeado em 111 d.C. As
fontes históricas irão dizer que Plínio era um homem justo, cumpridor das leis
e das tradições romanas. Logo que assumiu sua posição governamental. Plínio
recebeu uma lista de acusações contra alguns cristãos que residiam em sua
cidade. Por sua falta de experiência, intentou fazer uma pesquisa em como
proceder para a realização do julgamento dos mesmos. É então que ele escreve a
carta ao imperador Trajano.
A
sua carta a Trajano nos traz alguns detalhes muito interessantes. Por exemplo
parece que existiam um número consideráveis de cristãos. A citação que consta
este assunto é a seguinte: “o contágio desta superstição penetrou, não só
nas cidades, mas também nos povoados e nos campos”.[1]
Em seus primeiros julgamentos Plínio começou a
chamar os primeiros cristãos. Ele os pressionava a negarem a Cristo. Aqueles
que negavam, ou diziam que já haviam abandonado sua fé. Ele exigia dos mesmos
que invocassem aos deuses, que adorassem ao imperador e que maldissessem a
Cristo. Quem realizava tais procedimentos, era posto em liberdade. Ele diz
exatamente isso a Trajano neste trecho: “é impossível obrigar aos
verdadeiros cristãos fazerem estas cousas”.[2]
Aos
que se recusavam a negar sua fé. O imperador sentenciava-os a morte. Não com a
acusação de serem cristãos, mas sim com a acusação de obstinação e
desobediência ante ao representante do imperador.
González
relata em seu livro as acusações que os cristãos recebiam. Diz ele:
“Tanto uns como outros, contaram ao governador o mesmo testemunho: Seu
crime consistia em se reunir para cantar antifonalmente hino: “a Cristo como
Deus”, para fazer voto de não cometer roubos, adultérios ou outros pecados e
para uma refeição em que não se fazia cousa alguma contrária a lei e aos bons
costumes. Já que algum tempo antes, seguindo as ordens do imperador, Plínio
havia proibido as reuniões secretas, os cristãos já não se reuniam como antes.
Perplexo diante de tais informações, Plínio fez torturar duas escravas que eram
ministras da igreja; mas ambas as mulheres confirmaram o que os demais cristãos
haviam dito. Tudo isto representava ao governador um problema difícil de
justiça e jurisprudência: devia castigar aos cristãos só por levarem esse nome,
ou era necessário provar algum crime?”[3]
A
resposta do imperador a Plínio era que cada caso era um caso. Que o mesmo não
deveria gastar suas forças em buscar a saber das acusações. Mas que só tomasse
partido das mesmas se chegassem ao seu conhecimento por acusações de
testemunhas existentes. Diante dos fatos é que ele deveria analisar se era realmente
verídico que se recusavam a adorar aos deuses.
Tertuliano,
o advogado cristão, cem anos depois com este pensamento ainda vigente vai tecer
o seguinte comentário: “Oh! Sentença necessariamente confusa! Nega-se a
buscá-los como a inocentes; e manda castigá-los como culpados. Tens
misericórdia e és severa; dissimulas e castigas. Como evitas então censurar-te
a ti mesma? Se condenas, por que não investigas? E se não investigas, por quê
não absolves? (Apologia 2)[4]
Por mais que a resposta de Trajano não tivesse
sentido lógico. Havia o sentido político. Ele sabia que Plínio tinha razão em
suas indagações. Os cristãos não representavam nenhum perigo ao estado. Porém,
quando acusados com testemunhas de não adorarem ao imperador. Isso poderia
enfraquecer o poder do Estado e aos poucos minar o poder do imperador. Até
porque uma das coisas que mantinha o império unificado era o culto ao
imperador. O poder da religião exerce uma grande influência com toda certeza.
Essa
política de Trajano perdurou por todo o segundo século e por uma boa parte do
terceiro século também. Podemos encontrar esta filosofia permeada nas sete
cartas de Inácio de Antioquia.
2.2. Inácio de Antioquia: o portador de Deus.
No
ano 107 d.C., o bispo de Antioquia, Inácio, fora condenado à morte por ter se
recusado a adorar aos deuses do império. Roma nestas circunstâncias estava em
festa. Devido a vitória sobre os dácio. Inácio fora levado a Roma para ser um
dos espetáculos destas comemorações. Em seu trajeto ao martírio ele escreveu as
sete cartas, um dos domingos mais preciosos da história da igreja cristã.
Inácio
nasceu entre os anos 30 e 35 d.C., isso nos dá a dimensão que quando selou o
seu martírio já era um ancião. Em suas cartas ele mesmo se intitula o “Portador
de Deus”, o que denota o respeito e autoridade que o mesmo desfrutava diante da
comunidade cristã. Mais tarde com algumas pequenas mudanças literárias em seu
texto ficou sendo chamado como, “levado por Deus”, daí surgiu a lenda de que
ele era o menino que Jesus havia colocado em seu colo quando as pessoas o
rodeavam. (Marcos 10:13-15). Inácio também desfrutava do respeito de ser no início
do segundo século o segundo bispo de maior influência, haja vista que sua
comunidade cristã era a segunda comunidade cristã mais antiga.
Em
sua peregrinação a Roma, o velho bispo e os soldados que o acompanhavam
passaram pela Ásia Menor, nestas passagens, muitos cristãos procuravam estar
com Inácio, e foram nestas visitas que surgiram a maioria do conteúdo das
literaturas de Inácio.
Inácio
ficou sabendo do plano de alguns irmãos de o resgatarem então pediu que desistissem
do plano. Pois eles poderiam estar atrapalhando os desígnios de Deus. Diz ele em
sua carta: “Temo vossa bondade, que pode me causar dano. Pois vós podeis
fazer com facilidade o que projetais; mas se vós não prestardes atenção ao que
vos peço, ser-me-á, muito difícil alcançar a Deus (Romanos 1.2).”[5]
Inácio
não queria ser reconhecido por seu sacrifício. Mas sua intenção era ser um
imitador autêntico de seu Senhor. Que havia pagado com sua própria vida. Outras
frases marcaram a carreira cristã de Inácio são elas:
“Sou trigo de Deus, e os dentes das feras hão de
me moer, para que possa ser oferecido como pão limpo de Cristo”.[6]
“Meu amor está crucificado (…) Não me agrada mais a comida
corruptível, (…) mas quero o Plano de Deus, que é a carne de Jesus Cristo (…) e
seu seu sangue quero beber, que é bebida imperecível”.
“quando eu sofrer, serei livre em Jesus Cristo, e com ele
ressuscitarei em liberdade”.
Inácio
segundo a tradição morreu em Roma ao ser jogado aos famintos leões. Algum tempo
depois Policarpo bispo de Esmirna escreveu aos crentes de Filipo perguntas
sobre a sorte do companheiro. Porém não encontramos em nenhum documento
histórico respostas a suas indagações.
2.3. O martírio de Policapo.
Em meio ao ano de 155 d.C., ainda estava valendo
a política apresentada a Trajano ao seu governador Plínio. Este por sua
vez. Policarpo era bispo de Esmirna,
quando se iniciou, uma série de acusações contra os membros de sua igreja. Os
relatos eram que os cristãos eram submetidos as torturas mais bárbaras, mas não
negavam a Cristo.
Foi
quando chamaram um ancião chamado Germânico a presença do juiz. E este não negou
a sua fé. Quando o juiz incitou a multidão contra o ancião o mesmo não negou a
sua fé, e começou a ser chamado de Ateu, por acreditava em um Deus invisível e
um Deus apenas. Mas acrescentaram ao fato de chamarem-no de Ateu o pedido de
trazer Policarpo diante do tribunal. Haja vista que ele era o líder do
movimento naquela região.
Quando
Policarpo soube da situação, fugiu. Ainda por umas três vezes trocou sua
localização. Pois alguns se rendiam ao império e deduravam ao bispo. Porém em
uma dessas ocasiões Policarpo decidiu não mais fugir e foi capturado e levado
ao juiz.
Diante
do juiz, Policarpo foi orientado a negar sua fé. Sendo pressionado pelo
inqueridor e também pela multidão a sua volta. Porém o mesmo deu a seguinte
resposta ao juiz:
“Vivi oitenta anos e seis anos servindo-lhe, e nenhum mal me fez.
Como poderia eu maldizer ao meu rei, que me salvou?”[7]
O
juiz ainda insistiu. Pediu que Policarpo apresentasse a multidão sua defesa
contra as acusações. O bispo, porém, disse que a mesma não era digna de ouvir
tal coisa. O juiz então o ameaçou com as feras, com fogo, e com muitos outros
tipos de tortura. Porém, o experiente ancião respondeu que o fogo que o juiz
acenderia só poderia durar um tempo. Mas o mesmo não se compararia ao fato de
passar a eternidade em sofrimento continuo, por um fogo que jamais se apagaria.
Com
isso o bispo de Esmirna fora queimado vivo, mas antes de morrer elevou seus
olhos aos céus e orou dizendo: “Senhor Deus Soberano (…) dou-te graças,
porque me consideraste digno deste momento, para que, junto aos teus mártires,
eu possa ser parte no cálice de Cristo. (…) Por isso te bendigo e te glorifico
(…) Amém.”[8]
2.4. A perseguição sob Marco Aurélio
Marco Aurélio no ano de 161 d.C., assumiu o
império. O mesmo fora adotado anos antes por seu predecessor, Antônio Pio.
Diferente de Nero e Domiciano, Marco Aurélio ficou conhecido por sua erudição e
conhecimento. Seu espírito culto e erudito o levaram a construir em seus
pensamentos uma coleção de escritos pessoais, que levou o nome de “Meditações”.
Ao
contrário do se que se podia imaginar acerca da relação deste refinado
imperador a os cristãos, ele desencadeou sobre a igreja do Senhor Jesus uma
terrível perseguição. Nos primeiros anos do reinado de Marco Aurélio o povo
sofreu inúmeras tragédias: invasões, inundações, epidemias e etc., logo começou
um boato que a culpa de todas estas coisas era dos cristãos. Então Marco
Aurélio desencadeou uma enorme perseguição aos mesmos os culpando por tais
fatos.
Entre
os mártires que mais ganharam fama estão Felicidade uma viúva, Justino o Mártir
e Blandina.
2.5. Até o fim do século segundo.
Marco Aurélio morreu no de 180 d.C., e seu
sucessor foi Cômodo. Que governou em um período muito tumultuado por guerras
civis, o que para os cristãos resultou em uma relativa paz, mesmo ainda
existindo casos de martírios esporádicos.
No
século segundo a igreja sofreu forte perseguição. Mesmo que essa não se desse
em toda a extensão territorial do império romano.
[1] GONZÁLEZ, Justo. A era dos mártires: uma
história ilustrada do cristianismo. São Paulo: Vida Nova, 1995. Pág. 62.
[2] GONZÁLEZ, Justo. A era dos mártires: uma
história ilustrada do cristianismo. São Paulo: Vida Nova, 1995. Pág. 63.
[3] GONZÁLEZ, Justo. A era dos mártires: uma
história ilustrada do cristianismo. São Paulo: Vida Nova, 1995. Pág. 64.
[4] GONZÁLEZ, Justo. A era dos mártires: uma
história ilustrada do cristianismo. São Paulo: Vida Nova, 1995. Pág. 64.
[5] GONZÁLEZ, Justo. A era dos mártires: uma
história ilustrada do cristianismo. São Paulo: Vida Nova, 1995. Pág. 68.
[6] GONZÁLEZ, Justo. A era dos mártires: uma
história ilustrada do cristianismo. São Paulo: Vida Nova, 1995. Pág. 68.
[7] GONZÁLEZ, Justo. A era dos mártires: uma
história ilustrada do cristianismo. São Paulo: Vida Nova, 1995. Pág. 70.
[8] GONZÁLEZ, Justo. A era dos mártires: uma
história ilustrada do cristianismo. São Paulo: Vida Nova, 1995. Pág. 72.
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