Rio de Janeiro, 24 de setembro de 2025.
INSTITUTO BÍBLICO EFATÁ
MÓDULO DE TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA
2ª AULA – NEO-ORTODOXIA: KARL BARTH
PROFESSOR – PR. ROBERTO DA SILVA
MEIRELES RODRIGUES
INTRODUÇÃO:
O movimento que ficou conhecido como
Neo-Ortodoxia foi uma tentativa de ser um caminho entre os extremos movimentos
liberais e fundamentalistas. Entre os principais nomes desse movimento estão o
teólogo suíço Karl Barth e Emil Brunner. Mas o principal nome sem sombra de
dúvidas foi o de Barth.
“Karl
Barth Nasceu na Basileia, no dia 10 de maio de 1886, no seio de uma grande
família profundamente dedicada à teologia e a pregação. Passou a juventude, em
Bern, às universidades alemãs de T6uningen, Marburg e Berlim. Depois de uma
experiência crucial como pastor na alfeia de SafenWil, na Suíça, Barth lecionou
teologia nas universidades alemãs de Göttingen, Münster e Born. Expulso desta
última por se recusar a jurar lealdade a Hitler, voltou à Basileia onde ensinou
teologia na universidade de 1935 até se aposentar, em 1962. Jamais concluiu um
doutorado, embora fosse posteriormente agraciado com numerosos títulos
honorários. Barth era um homem robusto e bem-humorado, mas tinha em geral um ar
muito sério. Foi também um dos grandes aficionados do cachimbo no século XX. Morreu
em 1968, aos 82 anos”.[1]
É importante ressaltar que Barth foi
criado dentro do pensamento liberal. Afinal de contas, essa era perspectiva
teológica predominante no final do século 19 e princípios do século 20.
Inclusive Barth foi aluno dos principais expositores e defensores da teologia
liberal de seus dias: Wilhelm Hermann (seu professor em Marburg) e Adolf von
Harnack (seu professor em Berlim). Destes dois teólogos que foram professores
de Barth, Harnack ganhou muito mais notoriedade com a edição de seis aulas
ministradas na universidade de Berlim no inverno de 1899-1900. Na tradução para
o inglês o livro recebeu o nome de “What is Christianity” (O que é
cristianismo?). Nesta obra ele falava sobre a sua perspectiva acerca da
paternidade de Deus, a irmandade da humanidade e o valor infinito da alma
humana. A compreensão teológica de Harnack ficou conhecida como “evangelho
social”, pois perspectiva teológica era extremamente imanente, muito ligado a
respostas para questões sociais para o tempo presente.
A PRODUÇÃO ACADÊMICA DE BARTH:
“A quantidade de livros
que os teólogos contemporâneos fizeram brotar de suas canetas, maquinas de
escrever e processadores de texto pode ser comparada às águas do Nilo em época
de cheia. Karl Barth, porém, sem sombra de dúvida bateu o recorde. Não bastasse
a imensa pilha de livros que escreveu, Barth também é autor da monumental
Dogmática Eclesiástica: treze volumes, nove mil páginas, oito milhões de
palavras e que ele deixou inacabada por ocasião de sua morte! Dizia-se que Barth
devia ter tinta nas veias, em vez de sangue. Certamente nenhum livro de
teologia do século XX teve impacto maior do que a primeira grande obra de
Barth, sua Carta aos romanos, publicada originalmente em 1919. O livro foi
descrito posteriormente como uma bomba arremessada sobre o playground dos
teólogos, e foi à experiência decorrente da publicação desse livro que Barth
comparou o que sentiu, quando jovem, ao puxar acidentalmente a corda do sino da
igreja de Pratteln colocando em estado de alerta toda a aldeia. O mundo
teológico fora despertado, e jamais seria o mesmo novamente”.[2]
Barth
escreveu o comentário de Romanos ainda quando estava iniciando seu ministério
na pequena aldeia de Safenwil, no chamado cantão suíço de Aargau. Esse contexto
histórico foi muito turbulento para o teólogo suíço. Havia eclodido a primeira
guerra mundial e ele decepcionou-se com a postura de seus mestres Harnarck e
Hermann, que assinaram um manifesto apoiando a política bélica de Kaise
Guilherme II. Um outro fator que devemos levar em consideração foi sua amizade
com o também pastor e teólogo Eduard Thurneysen que naqueles dias era pastor na
aldeia vizinha de Leutwil. Os dois pastores se correspondiam regularmente e se
encontram com frequência no desejo de encontrarem um caminho teológico como
resposta de Deus para sua geração. Por último, e não menos importante Barth se
aliou aos trabalhadores de sua aldeia em uma disputa trabalhista contra uma
pequena indústria têxtil local, e foi assim que ganhou o apelido de “pastor
vermelho”. Deste momento em diante Barth irá sempre refletir e se preocupar com
as questões políticas de seus dias.
“A Carta aos romanos foi
fruto dos anos dessa primeira fase em Safenwil. A obra definitiva só apareceria
na sexta edição." Trata-se de um comentário bíblico, mas não no sentido
tradicional. A exemplo da maioria dos comentários, o livro analisa o documento
(no caso, o livro de Romanos) versículo por versículo, mas com uma exegese
permeada de profundas reflexões teológicas. No livro, são apresentados e
discutidos os temas que determinariam os contornos da teologia barthiana quais
o autor se debruçaria a vida toda. Nessa sua descoberta de "um estranho
mundo novo dentro da Bíblia", ele encontrou principalmente a doutrina
extrema da alteridade absoluta de Deus. Barth gostava de citar um versículo do
Eclesiastes: "Pois Deus está no céu, e tu estás na terra" (Ec 5.2).
Esse Deus, do qual depende, sem exceção, tudo o que há, é totalmente
inacessível, exceto por meio da auto revelação divina. Esse é o Deus que julga
a humanidade pecadora, mas é também o Deus que oferece gratuitamente o perdão e
a salvação por intermédio da dádiva expiatória do Filho de Deus, Jesus Cristo.
Foi esse tipo de discussão que inaugurou, de fato, a teologia do século XX”.[3]
A INFLUÊNCIA DE SOREN KIERKEGARD:
A influência de Søren Kierkegaard em Karl Barth é um ponto crucial
para entender a virada teológica do século XX. Embora Barth mais tarde se
distanciasse de alguns aspectos do pensamento de Kierkegaard, a influência
inicial foi fundamental para moldar sua teologia neo-ortodoxa. Vale analisar
alguns dos pontos
principais sobre essa influência.
A Crítica
ao Liberalismo e a Distinção Qualitativa Infinita:
A
principal conexão entre Kierkegaard e Barth é a rejeição radical ao liberalismo
teológico. O liberalismo, buscava aproximar a religião da cultura e da
experiência humana. Para eles, a teologia deveria ser inteligível e harmoniosa
com a razão e a sensibilidade moderna.
Nesse
contexto, Kierkegaard, com sua filosofia existencial, já havia criticado a
"cristandade" superficial da sua época, que havia se tornado
complacente e racionalista. Ele insistia na ideia do "salto da fé" e
na "distinção qualitativa
infinita" entre Deus e o ser humano. Deus é "totalmente
Outro", um ser transcendente que não pode ser compreendido pela razão
humana ou reduzido a uma mera experiência religiosa.
Barth, no
início do século XX, sentiu que a teologia liberal havia falhado em dar uma
resposta à crise moral e cultural da Europa, especialmente após a Primeira Guerra
Mundial. Ele encontrou no pensamento de Kierkegaard uma poderosa ferramenta
para combater o otimismo liberal e reafirmar a soberania de Deus. A ideia de
que Deus é radicalmente diferente do ser humano — "infinitamente
qualitativamente distinto" — ressoou profundamente com Barth.
A Questão
da Revelação e a Crise Existencial:
Barth e
Kierkegaard compartilhavam a visão de que a revelação de Deus não é um processo
contínuo e evolutivo, mas um evento de crise.
Para Barth, a Palavra de Deus irrompe na história humana de forma inesperada e
paradoxal, quebrando toda e qualquer presunção de que a razão humana possa
alcançar a verdade divina por si mesma.
A
influência de Kierkegaard aqui é evidente na ênfase sobre o paradoxo e o escândalo da fé. A encarnação,
por exemplo, não é uma verdade que se possa simplesmente deduzir. É um evento
que confronta o indivíduo, exigindo uma decisão de fé, uma resposta existencial
que transcende a lógica. Essa abordagem ajudou Barth a rejeitar a ideia liberal
de que a Bíblia é apenas um registro histórico da experiência religiosa, e a
afirmar que ela é a Palavra viva de Deus que "se torna" Palavra para
o indivíduo em um momento de encontro.
O
Afastamento Posterior de Barth
Embora a
influência inicial tenha sido crucial, os teólogos Miller e Grenz destacam que
o Barth maduro, em sua monumental Dogmática da Igreja,
se distanciou de Kierkegaard em pontos importantes, principalmente em relação
ao individualismo e à relação com a igreja.
Individualismo:
Kierkegaard focava intensamente na experiência do indivíduo diante de Deus. A
fé é um "assunto de singularidade", uma luta pessoal. Barth, por
outro lado, começou a enfatizar o caráter comunitário e eclesiológico da fé.
Ele via a igreja como o lugar onde a Palavra de Deus é ouvida e a comunidade de
crentes como a destinatária da revelação, não apenas o indivíduo isolado.
Perigo
do subjetivismo: Barth criticava o que ele percebia como um
potencial subjetivismo em Kierkegaard. Embora Kierkegaard defendesse a
objetividade de Cristo, sua ênfase na experiência existencial poderia ser
interpretada como um foco excessivo na experiência do sujeito, em detrimento da
objetividade da revelação de Deus. Barth queria firmar a teologia em Deus e sua
Palavra, não na resposta humana.
Em
resumo, a relação de Barth com Kierkegaard foi complexa e evolutiva.
Kierkegaard foi o "despertador" que o ajudou a romper com o
liberalismo. No entanto, o próprio Barth sentiu que precisava ir além de
Kierkegaard para construir uma teologia mais completa, que fosse firmemente
centrada na objetividade da Palavra de Deus e na vida da comunidade cristã.
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